quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Três poemas de Ana Hatherly



SEM AMOR

Viver sem amor
É como não ter para onde ir
Em nenhum lugar
Encontrar casa ou mundo

É contemplar o não-acontecer
O lugar onde tudo já não é
Onde tudo se transforma
No recinto
De onde tudo se mudou

Sem amor andamos errantes
De nós mesmos desconhecidos

Descobrimos que nunca se tem ninguém
Além de nós próprios
E nem isso se tem


CARTA DE AMOR INFORMÁTICO

Penetraste no meu coração
Como um vírus no meu computador

Vindo de lado nenhum
Ofereces-me agora
O vazio da não opção

Estragaste-me o real
Obrigaste-me a reinventá-lo:
Para quê?

Agora estás
No meu cemitério de textos
Já não te posso reencaminhar

Arquivei-te no lixo da memória
Do meu Pentium IV
Que aliás já vendi

Troquei-o por um lap top
Mais leve
Mais portátil
Mais facilmente descartável

*

A vida do meu corpo
É toda uma lição
Fechada folha em acto

A seu respeito
Continuam as perguntas
Por exemplo:
Quando é que Adão e Eva
Primeiro se encontraram?
Qual foi a hora
Do fatídico acto?

No paraíso
O tempo despenha-se
Numa corrente acrónica

Ah!
Apressa o teu passo
Fortuito acaso
A atenção ao corpo
É um vínculo selvático


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