Até tornar-se fogo
As carruagens cheias como praças
que se movem à luz geral do ensaio
repetem dia a dia a mesma viagem:
os versos partem para a humanidade
mas a humanidade para onde parte?
Sabemos as paragens em que saem
e entram os que irrompem pelo palco;
até tornar-se fogo há-de crescer
continuamente a luz mortal do ensaio
Peregrinos
Os peregrinos deslizam nas paredes. Silhuetas a arder sobre um fundo rugoso.
Carlos de Oliveira, Finisterra
Toda essa gente dos transportes públicos
diariamente em trânsito parece
mover em sentido único um corpo que arrefece
Viste passar espectros vindos
do espelho informe em que também te vês
romeiros quem sois vós que destruís
a vossa imagem desistindo dela
Filhos fostes; trazidos na corrente
do fogo, regressais
ao presente e chamais-vos ninguém
•
Autor de uma obra que aparece ligada ao coletivo Poesia 61 e destacado entre os principais nomes da poesia de língua portuguesa, Gastão Cruz também exerceu sua atividade literária na prosa e no teatro, além de escrever crítica e se dedicar ao trabalho da tradução. Na poesia, é o autor de mais de duas dezenas de títulos; Campânula, Órgão de luzes, As pedras negras, A moeda do tempo, Observação do verão, Fogo, Óxido e Existência são alguns desses livros. No teatro, foi um dos fundadores do Grupo de Teatro Hoje, para o qual encenou obras de Camus, Tchekhov e Carlos de Oliveira. E, como tradutor, trouxe ao português obras de autores como William Blake, Jean Cocteau e Shakespeare. Sua longa trajetória dedicada às letras obteve alguns importantes reconhecimentos em seu país, como o Grande Prêmio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores, o Prêmio D. Dinis e Prêmio Correntes d’Escrita. Formado em Filologia Germânica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Gastão Cruz nasceu em Faro a 20 de julho de 1941 e morreu em Lisboa no dia 20 de março de 2022.
* Poemas do livro Óxido, Assírio & Alvim, 2015
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