ARTE POÉTICA
O olhar foi
arrastado para fora desta noite.
Imobilizadas
e secas as mãos.
A febre
reconciliada. Dissemos ao coração
para ser
coração. Havia nestas veias um demônio
que fugiu
aos gritos.
Havia na
boca uma voz triste e sangrenta
que foi
lavada e chamada.
* tradução
de Luís Costa
O POÇO
Escutas a corrente a bater na parede
Quando o balde desce no poço que é a outra estrela.
Vésper às vezes, solitária estrela,
Fogo sem raio as vezes a esperar à alva
Que saiam o pastor e suas reses.
Quando o balde desce no poço que é a outra estrela.
Vésper às vezes, solitária estrela,
Fogo sem raio as vezes a esperar à alva
Que saiam o pastor e suas reses.
Mas sempre a água está presa, no fundo do poço.
A estrela fica sempre ali selada.
É possível ver sombras, sob os galhos.
São viajantes que de noite passam
A estrela fica sempre ali selada.
É possível ver sombras, sob os galhos.
São viajantes que de noite passam
Curvados, carregando às costas massa negra,
Hesitantes, diria, numa encruzilhada.
Uns parecem que esperam, outros se apagam
No faiscar que vai sem luz.
Hesitantes, diria, numa encruzilhada.
Uns parecem que esperam, outros se apagam
No faiscar que vai sem luz.
A viagem do homem, da mulher é longa, mais longa do que a vida,
É uma estrada no fim do caminho, um céu
Que se pensou ter visto brilhar entre as árvores.
Quando o balde toca a água, que o levanta,
É uma alegria, então a corrente o esmaga.
É uma estrada no fim do caminho, um céu
Que se pensou ter visto brilhar entre as árvores.
Quando o balde toca a água, que o levanta,
É uma alegria, então a corrente o esmaga.
A NEVE
Ela chegou de bem mais longe que as estradas,
Ela tocou o campo, o ocre das flores,
Com essa mão que escreve com fumaça.
Ela ao tempo venceu pelo silêncio.
Ela tocou o campo, o ocre das flores,
Com essa mão que escreve com fumaça.
Ela ao tempo venceu pelo silêncio.
A luz é mais intensa nesta tarde
Devido à neve.
Parece até que as folhas ardem, frente à porta,
E a lenha recolhida está com água.
Devido à neve.
Parece até que as folhas ardem, frente à porta,
E a lenha recolhida está com água.
UMA PEDRA
Tenho sempre fome desse
Lugar que nos foi espelho,
Das frutas curvadas dentro
De sua água, luz que salva,
Lugar que nos foi espelho,
Das frutas curvadas dentro
De sua água, luz que salva,
E gravarei sobre a pedra
Lembrança de que brilhou
Um círculo, fogo ermo.
Acima é rápido o céu
Lembrança de que brilhou
Um círculo, fogo ermo.
Acima é rápido o céu
Como ao voto a pedra é fechada.
Que buscávamos? Talvez
Nada, a paixão só é sonho.
Nada pedem suas mãos.
Que buscávamos? Talvez
Nada, a paixão só é sonho.
Nada pedem suas mãos.
E de quem amou uma imagem,
Por mais que o olhar deseje,
Fica a voz sempre partida,
É a palavra toda cinzas.
Por mais que o olhar deseje,
Fica a voz sempre partida,
É a palavra toda cinzas.
* Tradução Mário Laranjeira
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Yves Bonnefoy nasceu a 24 de
junho de 1923 em Tours. Na literatura, destacou-se como poeta, mas escreveu prosa (romance, conto e ensaio) e se dedicou à tradução.
Na juventude, ligou-se ao surrealismo, afastando-se do grupo a partir de 1947. Escreveu sobre a
obra de Charles Baudelaire e Arthur Rimbaud, autores que ao lado de Mallarmé e
Gérard de Nerval, constituíram também suas principais influências. Bonnefoy morreu
no dia 1.º julho de 2016, em Paris.
A mim, lembra um pouco Paul Celan. Muito bom.
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