O POETA AFOGADO
O poeta
afogado, horas antes de afogar-se,
tinha olhos
de redemoinho, sal em seus pulsos, e exibia
uma líquida aparência.
O mar estava inteirado
como as
flores na cabeceira de uma ferida,
de uma
responsabilidade iminente,
como um ímã tendendo
para o lado dele durante todo o dia azul,
ambíguo como
um pulmão.
Ele
observava os mergulhadores estudar um elemento
familiar como
as escalas para o músico,
em que nadar
é uma progressão de longos vocais,
uma comunicação
que nunca pode ser buscada
pois em si
mesma é completa: evidente como as pérolas,
simples como
as pedras ao sol, uma felicidade
ligada aos acontecimentos.
Afogar-se
foi a perfeição da técnica
a palavra
envolvendo seu próprio sentido, como o Tempo;
e
voltando-se para si o mar penetrou nele
como se falássemos
de poemas num poema,
ou no
momento culminante numa sonata citássemos
exercícios
de digitação: um elogio
para o sucesso
completo.
CISNE NEGRO
Negro na água calma detrás dos juncos
o cisne negro traça
um caos privado gorjeia em seu sinal,
assume, como quarta dimensão, o esplendor
sobre a criança com brancas ideias de cisnes
no verde lago
onde cada paradoxo significa maravilha.
Embora o negro pescoço se erga indistinto
como uma interrogação sobre o lago,
o cisne condena todo questionamento fácil:
algo em si, ambíguo, pressentido,
como a dor ou o canto das mulheres ao despertar;
e o que o canto do cisne canta
é o profundo silêncio do cisne.
Ilusão: o cisne negro sabe irromper
na expectativa, o bico
aponta já para seu peito, para sua imagem,
e atravessa nossas vidas, se o lago é vida,
e pelo suave giro de seu pescoço
transforma, a tempo, os danos do tempo;
menor que uma pena negra, a dor do tempo.
Feiticeiro: o cisne negro aprendeu a entrar
no perdido centro secreto da dor,
onde, como nas festas de maio, diversas tragédias
se entrelaçam, barras no poste, para compartilhar
um mesmo afundar-se, medula de puro inverno
que não muda e é
brilho sempre no gelo e no ar.
Sempre se move no lago o cisne negro. Sempre
chega o momento de olhar
como, alto símbolo, vira e se move
até a outra margem, sempre. A criança loira na
ribeira, mãos cheias de complexas maravilhas, permanece
já maravilhado, já incerto.
Seus lábios alentam: amo esse cisne negro.
* Tradução de Pedro Fernandes de O. Neto
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