DEIXA-ME ENTRAR
Deixa-me
entrar em tua dor,
não romperei
o silêncio.
Levarei
rosas frescas que o perfumem
e meu amor como
uma lamparina.
Para teu céu
escuro
guardo fogo
de estrelas,
pássaros fluorescentes
e reinos de
nuvens brancas.
Deixa-me
entrar;
esperarei até
que me abras.
Estou sozinha
na sombra
e o sopro do
vento morde.
AQUI ESTOU
Aqui estou,
outra vez,
presa em meu
anel de silêncio
querendo
adivinhar a voz do mundo
que me chega
confusa.
Ouço de
longe a dor,
não sei o canto
do gozo,
um muro de névoa
me rodeia
e é de fogo
minha angústia.
Vem em meu
socorro, vento,
rompe minha
prisão leve e leva-me a uma ilha sem muros
onde possa ouvir
todas as vozes!
CANTO AO FILHO QUE VEM
Por minha corrente
sanguínea
fazes tua
viagem ao mundo,
e te imagino
belo,
coroado de
júbilo e mistério.
Como serão
teus olhos?
Porventura se
abrirão entre minhas águas quietas?
Como será
tua voz que já meu amor sustenta?
Adivinho-lhe
carregada de sóis e distâncias,
recolhendo seu
aroma por verdes litorais.
Por que fui
eu e não outra a que engendrou teu alento?
Tenho medo
que herdes minha tristeza,
minha solidão,
minha angústia.
Mergulhado
em meu interior de trevas
teu coração
palpita.
Chegam a ele
os incendiados rios de meu corpo.
Por que
através de mim fazes tua entrada ao pranto?
Se romperão
tuas asas entre minhas penas duras
e em vez do canto
um grito chegará em teus ouvidos.
CARTA AO TEMPO
Estimado
senhor:
Escrevo esta
carta em meu aniversário.
Recebi seu
presente. Não gostei.
Sempre e
sempre o mesmo.
Quando criança,
impaciente o esperava;
vestia-me de
festa
e saía à rua
a anunciá-lo.
Não seja
tenaz.
Todavia o
vejo
jogando xadrez
com o avô.
No início
eram esparsas suas visitas;
logo se tornaram
cotidianas,
e a voz do céu
foi perdendo
seu brilho.
E você
insistia
e não respeitava
a humildade
de seu doce caráter
e seus
sapatos.
Depois me cortejava.
Era eu
adolescente
e você com
esse rosto que não muda.
Amigo de meu
pai
para ganhar
a mim.
Pobrezinho
do avô!
Em seu leito
de morte
você estava
presente,
esperando o
fim.
Um ar
insuspeito
flutuava entre
a mobília.
Pareciam
mais brancas as paredes.
E havia
alguém mais;
você fazia
sinais.
Fechou os
olhos do avô
e se deteve
um instante a me contemplar.
Proíbo-lhe
que volte.
Cada vez que
o vejo
corre-me pela
espinha um frio.
Não me
persiga mais,
suplico-lhe.
Há anos que
amo outro,
e já não me
interessam suas oferendas.
Por que me
espera sempre nas vitrines,
na boca do
sonho,
sob o céu
indeciso do domingo?
Conheça sua
saudação cerrada.
Eu o vi
outro dia com as crianças.
Reconheci seu
traje:
o mesmo
tweed de sempre
quando eu
era estudante
e você amigo
de meu pai:
seu ridículo
traje de entretempo.
Não volte,
Repito.
Não se fique
mais em meu jardim.
Assustará as
crianças
e as folhas caem:
Eu vi.
De que serve
tudo isso?
Se vai rir
um pouco
com esse
riso eterno
e seguirá
vindo ao meu encontro.
Os meninos,
meu rosto,
as folhas,
tudo extraviado
em suas pupilas.
Ganhará sem
remédio.
Ao começar
minha carta já sabia.
•
Foi a única
da América Central a ganhar o Prêmio Reina Sofía de Poesía Iberoamericana -
feito alcançado em 2017. Vivia em Manágua, capital da Nicaráuga, seu país
natal. Claribel é uma das vozes mais representativas da literatura
centroamericana do século XX. Nasceu em maio de 1924 na cidade de Estelí;
cresceu em Santa Ana, região ocidental de El Salvador, onde vivia a família
materna. Sua poética, de um estilo oral se moveu por temas que vão da denúncia
social e o compromisso político, ao amor, a solidão e o esquecimento. Associada
geralmente à chamada Geração Engajada (a qual pertenceu o salvadorenho Roque
Dalton), por sua obra de corte político, Alegría publicou mais de duas dezenas
de livros ao longo de sua vida; obra que foi traduzido em vários idiomas. Também
traduziu obras de escritores anglo-saxões e escreveu ensaios e romances. Além
do Reina Sofía, ganhou o Prêmio Internacional Neustadt de Literatura. Morreu no dia 25 de janeiro de 2018.
* As traduções são de Pedro Fernandes
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