HAVIA MESES QUE NÃO ESCREVIA
Havia meses que não escrevia
nem um único poema.
Vivia com humildade, lendo os jornais,
pensando no enigma do poder
e nas causas da obediência.
Olhava para os pores-do-sol
(escarlates, cheios de inquietação),
escutava o emudecimento das vozes dos pássaros
e o silêncio da noite.
Via os girassóis a pendurarem
as cabeças ao lusco-fusco, como se um carrasco distraído
passeasse por entre os jardins.
No parapeito recolhia-se
a doce poeira de Setembro enquanto os lagartos
se escondiam nas curvaturas dos muros.
Dava longos passeios,
sedento duma coisa só:
dum relâmpago,
duma mudança,
de ti.
nem um único poema.
Vivia com humildade, lendo os jornais,
pensando no enigma do poder
e nas causas da obediência.
Olhava para os pores-do-sol
(escarlates, cheios de inquietação),
escutava o emudecimento das vozes dos pássaros
e o silêncio da noite.
Via os girassóis a pendurarem
as cabeças ao lusco-fusco, como se um carrasco distraído
passeasse por entre os jardins.
No parapeito recolhia-se
a doce poeira de Setembro enquanto os lagartos
se escondiam nas curvaturas dos muros.
Dava longos passeios,
sedento duma coisa só:
dum relâmpago,
duma mudança,
de ti.
NÃO DEIXES QUE O LÚCIDO MOMENTO SE DISSOLVA
Não deixes que o lúcido momento se dissolva
Que o radiante pensamento perdure na quietude
embora a página esteja quase cheia e a chama trémula
Não atingimos ainda o nível de nós próprios
O conhecimento cresce lentamente como um dente do siso
A estatura de um homem tem ainda uma incisura
lá no alto numa porta branca
De longe chega a voz alegre de um trompete
e uma canção enrolada como um gato
O que passa não cai no vazio
Um fogueiro alimenta com carvão o fogo
Não deixes que o lúcido momento se dissolva
numa substância dura e seca
Tens a obrigação de gravar a verdade
NA BELEZA CRIADA PELOS OUTROS
Só na beleza criada pelos outros
existe consolação, na música
e nos poemas dos outros
Só os outros nos podem salvar,
mesmo que a solidão tenha o sabor
do ópio. Não são o inferno, os outros,
se os espreitarmos de manhã, quando
têm a testa limpa, lavada pelos sonhos.
Por isso cismo muito sobre a palavra
que hei-de usar, "ele" ou "tu". Cada "ele"
é uma traição a qualquer "tu", mas,
em troca, um poema de alguém fielmente
oferece uma fresca, moderada conversa.
•
Adam Zagajewski nasceu a 21 de junho de 1945 em Lwów, na Polônia. Poeta, ensaísta e tradutor. Foi professor no seu país e nos Estados Unidos, onde vive. Traduzido em várias línguas, venceu, entre outros prêmios, o Neustadt em 2004 e o Princesa das Asturias em 2017. Morreu na Cracóvia, a 21 de março de 2021.
* Traduções de Marco Bruno.
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