FÁBRICA
E à noite – quando cai a noite,
Rangem aldravas pensativas,
Homens aproximam-se afoitos.
Do muro – do alto do muro,
Alguém imóvel, alguém negro
Numera os homens sem barulho.
Ele os chama, com voz de aço,
Costas curvas, sofrido esforço,
O povo aglomerado embaixo.
Hão de pôr às costas o fardo.
Riso nas janelas citrinas:
Tapearam os pobres-diabos.
Sepultaste nos séculos, Ravena.
Como uma criança, no regaço
Da eternidade estas, serena.
Sob os portais romanos os escravos
Já não trazem mosaicos pelas vias.
O ouro dos muros arde
Nas basílicas lívidas e frias.
Os arcos dos sarcófagos desfazem,
Sob o beijo do orvalho, as cicatrizes.
Nos mausoléus azinhavrados jazem
Os santos monges e as imperatrizes.
Todo o sepulcro gela e cala,
Os muros mudos, desde o umbral,
Para não acordar o olhar de Gala,
Negro, a queimar por entre a cal.
Das pegadas de sangue e dor e insídia
O rastro já se apaga e se descora,
Para que a voz gelada de Placídia
Não se recorde das paixões de outrora.
O longo mar retrocedeu, longínquo,
As rodas circundaram as ameias,
Para que os restos de Teodorico
Não sonhem com a vida em suas veias.
Onde eram vinhedos – ruínas.
Gente e casas – tudo é tumba.
Sobre o bronze as letras latinas
Troam nas lajes como trompa.
Apenas, no tranquilo e atento olhar
Das moças de Ravena, mudamente,
Às vezes uma sombra de pesar
Pelo irrecuperável mar ausente.
À noite, inclinado nas colinas,
Só, pondo os séculos à prova,
Dante – perfil aquilino –
Canta para mim da Vida Nova.
Maio-junho de 1909
•
Aleksandr Blok nasceu a 28 de
novembro de 1880. Filho de uma conceituada família ligada às humanidades — o
pai era professor de Direito, a mãe, escritora — fez seus estudos por caminhos
semelhantes: concluiu em 1906 a Faculdade de Letras na Universidade de
Petersburgo. Seu avô materno foi reitor nessa instituição. Iniciou sua carreira
literária ainda quando estudante, período de efervescência na vida criativa e
amorosa; um ano depois do primeiro livro, editado em 1904, casa-se com a filha
do renomado químico Dmitri Miendieléiev. Parte da sua literatura transita entre
o simbolismo (movimento no interior do qual ficou reconhecido) e a poesia
social, ainda que abdicasse do primeiro designativo e nesta última estivesse
mais interessado numa dinâmica anarquista. Seu trabalho mais conhecido é o poema “Os doze”, considerado por muitos
revolucionário e por outros, como obra alheia ao verdadeiro espírito da Revolução
de 1905. Morreu a 7 de agosto de 1921.