REGRESSO
Quem é? Quem
vem?
A porta não
estacou
e todos pela
mesa olham pasmados.
Só eu amimo
a voz:
— Olhem quem
vem! Reparem quem voltou!
Rolam
silêncios fundos e pesados.
Imóvel no
meu barco de luar,
os meus
olhos venceram as ramadas.
Música
longa... Um sino a palpitar.
Calçadas e
calçadas...
Presépios
com pastores de palmo e meio.
Velas que
são faróis... Cresceu a bruma.
Deitem-me
assim, num jeito de menina,
e
envolvam-me de espuma.
— Olhem quem
vem! Reparem quem voltou,
que tem os
braços que eu gritei além!
— Vou com
ele, não volto, minha Mãe!
Vou com ele
nos uivos da tormenta,
com ele vou
pregada na paixão.
Medo de
quê? Oceanos azulados...
Medo de
quê? Neblinas e canções...
— Dentro do
Espaço adoçam-se pecados
e morrem
solidões.
Sem braços
me tomou na posse enorme.
Roçou-me os
lábios, simples sem ter boca.
Ele é quem
diz: — Sossega, dorme, dorme...
E nunca mais
me toca!
As tardes,
mesmo ao longo dos casais,
cegos: falas
de gestos a ninguém...
Quem é? Quem
vem?
Para sempre
me tomou ...
— Vou com
ele, não volto, minha Mãe!
NADA TIVE QUE ERA MEU
Nada tive que era meu.
Perdi
estradas, perdi leito.
Na pedra
aonde me deito
Nada fala de
alvos linhos.
Se com cegos
me aventuro,
a caminho
rente aos muros,
é que meus
olhos impuros
sonham
Cristos nos caminhos.
Nada tive
que era meu
e o corpo
não quero eu.
Podia servir
de embalo,
mas serve de
sepultura.
Cemitério de
asas finas,
tange e
plange aladas crinas,
canto de
praias sulinas
de infinitas
amarguras...
•
Natércia
Freire nasceu em 1920 em Benavente e ainda criança foi com a família viver em
Lisboa. Desde cedo se dedicou à música e à poesia. Concluiu o Liceu em 1932 e
dois mais tarde se envolve com José Isidro dos Santos com quem se casa. Estreia
sua obra poética em 1935 com o livro Castelos
de sonho; depois publica Meu caminho de
luz (1939), trabalho cuja recepção pela crítica e pelos leitores foi calorosa.
No início da década de 1940 inicia colaboração com a Emissora Nacional como
palestrante; neste mesmo período publicou Estátua
(1941) e Horizonte fechado (1942). O título
seguinte, Rio infindável (1947)
rendeu-lhe o prêmio Antero de Quental. Desde então as premiações passaram a ser
recorrentes. Na década seguinte, enquanto coordenadora da página “Artes e Letras”
do Diário de Notícias, onde ficou até
1974, venceu o prêmio Ricardo Malheiros com Infância
de que nasci (1955) e em 1971, por Os
intrusos, o prêmio Nacional de Poesia. Morreu no dia 17 de dezembro de 2004
em Lisboa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário