LUZ NEGRA
O coração
sangrento
do Abismo,
o Olho que
decide os destinos
escravos,
esculpiu seu
templo no fundo
do fundo da
luz.
Está sentado
para sempre
no trono
de si mesmo,
cujo recinto
real, livre
de todo servilismo
é sempre,
sempre, sempre o mesmo Abismo
de luz
negra.
POUCAS COISAS
A
Haydée e Juan Grela
e sentido comum
e a jarra de
louça, graciosa,
com o ramo
resplandecente.
A difícil
extração do
sentido
é simples:
o ato claro
no momento claro
e poucas coisas
verde
sobre branco.
AGORA SOU UM
OLHO
Agora sou um
olho
imóvel no céu,
uma
nostalgia sem eu
que forma nuvens
no céu.
Agora sou a
imagem do quadro, sobre fundo
de vermelho
sombrio,
o olhar
perdido em insondável dignidade,
reclinado
num marco de ouro.
Amanhã terei
caído
num poço de
sangue,
numa velha
armadilha familiar,
terei me enredado
entre os fatos.
Amanhã terei
me rebaixado até num tapete
desgastado,
até o pó que
acende os desejos,
até a culpa.
•
Hugo
Padeletti nasceu em Alcorta no dia 15 de janeiro de 1928. Os anos vividos nesse
ambiente rural impregnaram logo seus poemas, atentos à passagem das estações do
ano, à natureza e “à paixão delicada embora firme do real”, como escreveu Juan
José Saer. Publicou seu primeiro livro de poesia aos trinta anos e a partir de
então desenvolveu uma das obras poéticas mais sólidas, sábias e belas da
literatura argentina. A criação plástica cresceu acompanhada a vários de seus
livros, como La atención (1999), em que
os textos aparecem acompanhados pela obra gráfica. No início dos anos 1960
viajou a Berna com bolsa de estudos para estudar a obra de Paul Klee; foi
nomeado diretor do Museu de Belas Artes Rosa Galisteo de Rodríguez, situado na capital
de sua província natal. Radicado desde 1984 na cidade de Buenos Aires, em 1989
publicou Poemas 1960-1980, antologia com
a qual obteve o Prêmio Boris Vian; em 1990 publicou Parlamentos del viento; Apuntamientos
en al Ashram no ano seguinte. A partir de então aspectos de diferentes religiões
orientais e ocidentais, como a culpa, o perdão e a graça ganharam parte na sua
obra. Publicou ainda outros títulos como Plancton
(1998) e Canción de viejo (2003). Morreu em 12 de janeiro de 2018.
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