Bilhete de identidade
Toma nota!
Sou árabe
O número do meu bilhete de identidade: cinquenta mil
Número de filhos: oito
E o nono… chegará depois do verão!
Será que ficas irritado?
Sou árabe
O número do meu bilhete de identidade: cinquenta mil
Número de filhos: oito
E o nono… chegará depois do verão!
Será que ficas irritado?
Toma nota!
Sou árabe
Trabalho numa pedreira com os meus companheiros de fadiga
E tenho oito filhos
O seu pedaço de pão
As suas roupas, os seus cadernos
Arranco-os dos rochedos…
E não venho mendigar à tua porta
Nem me encolho no átrio do teu palácio.
Será que ficas irritado?
Sou árabe
Trabalho numa pedreira com os meus companheiros de fadiga
E tenho oito filhos
O seu pedaço de pão
As suas roupas, os seus cadernos
Arranco-os dos rochedos…
E não venho mendigar à tua porta
Nem me encolho no átrio do teu palácio.
Será que ficas irritado?
Toma nota!
Sou árabe
Sou o meu nome próprio – sem apelido
Infinitamente paciente num país onde todos
Vivem sobre as brasas da raiva.
As minhas raízes…
Foram lançadas antes do nascimento do tempo
Antes da efusão do que é duradouro
Antes do cipreste e da oliveira
Antes da eclosão da erva
O meu pai… é de uma família de lavradores
Nada tem a ver com as pessoas notáveis
O meu avô era camponês – um ser
Sem valor – nem ascendência.
A minha casa, uma cabana de guarda
Feita de troncos e ramos
Eis o que eu sou – Agrada-te?
Sou o meu nome próprio – sem apelido!
Sou árabe
Sou o meu nome próprio – sem apelido
Infinitamente paciente num país onde todos
Vivem sobre as brasas da raiva.
As minhas raízes…
Foram lançadas antes do nascimento do tempo
Antes da efusão do que é duradouro
Antes do cipreste e da oliveira
Antes da eclosão da erva
O meu pai… é de uma família de lavradores
Nada tem a ver com as pessoas notáveis
O meu avô era camponês – um ser
Sem valor – nem ascendência.
A minha casa, uma cabana de guarda
Feita de troncos e ramos
Eis o que eu sou – Agrada-te?
Sou o meu nome próprio – sem apelido!
Toma nota!
Sou árabe
Os meus cabelos… da cor do carvão
Os meus olhos… da cor do café
Sinais particulares:
Na cabeça uma kufia com o cordão bem apertado
E a palma da minha mão é dura como uma pedra
… esfola quem a aperta
A minha morada:
Sou de uma aldeia isolada…
Onde as ruas já não têm nomes
E todos os homens… trabalham no campo e na pedreira.
Será que ficas irritado?
Sou árabe
Os meus cabelos… da cor do carvão
Os meus olhos… da cor do café
Sinais particulares:
Na cabeça uma kufia com o cordão bem apertado
E a palma da minha mão é dura como uma pedra
… esfola quem a aperta
A minha morada:
Sou de uma aldeia isolada…
Onde as ruas já não têm nomes
E todos os homens… trabalham no campo e na pedreira.
Será que ficas irritado?
Toma nota!
Sou árabe
Tu saqueaste as vinhas dos meus pais
E a terra que eu cultivava
Eu e os meus filhos
Levaste-nos tudo excepto
Estas rochas
Para a sobrevivência dos meus netos
Mas o vosso governo vai também apoderar-se delas
… ao que dizem!
Sou árabe
Tu saqueaste as vinhas dos meus pais
E a terra que eu cultivava
Eu e os meus filhos
Levaste-nos tudo excepto
Estas rochas
Para a sobrevivência dos meus netos
Mas o vosso governo vai também apoderar-se delas
… ao que dizem!
… Então
Toma nota!
Ao alto da primeira página
Eu não odeio os homens
E não ataco ninguém mas
Se tiver fome
Comerei a carne de quem violou os meus direitos
Cuidado! Cuidado
Com a minha fome e com a minha raiva!
Ao alto da primeira página
Eu não odeio os homens
E não ataco ninguém mas
Se tiver fome
Comerei a carne de quem violou os meus direitos
Cuidado! Cuidado
Com a minha fome e com a minha raiva!
1964
À minha mãe
Tenho
saudades do pão da minha mãe,
Do café da
minha mãe,
Do carinho
da minha mãe...
Estou a
crescer,
De dia para
dia,
E amo a
vida, porque
Se morresse,
Teria
vergonha das lágrimas da minha mãe!
Se um dia
voltar, faz de mim
Uma
sombrinha para as tuas pálpebras.
Cobre os
meus ossos com a erva
Baptizada
sob os teus pés inocentes.
Ata-me
Com uma
mecha dos teus cabelos,
Um fio caído
da orla do teu vestido...
E serei,
talvez, um deus,
Talvez um
deus,
Se tocar o
teu coração!
Se voltar,
esconde-me,
Lenha, na
tua lareira.
E
pendura-me,
Corda da
roupa, no terraço da tua casa.
Falta-me o
ânimo
Sem a tua
oração diária.
Envelheci.
Faz renascer as estrelas da infância
E
partilharei com os filhos das aves,
O caminho do
regresso...
Ao ninho
onde me esperas!
1966
Estrangeiro numa cidade distante
Quando eu
era pequeno
E belo,
A rosa era a
minha morada,
E as fontes
eram os meus mares.
A rosa
tornou-se ferida
E as fontes,
sede.
- Mudaste
muito?
- Não mudei
muito.
Quando
voltarmos à nossa casa
Como o
vento,
Olha para a
minha testa.
Verás que as
rosas são agora palmeiras,
E as fontes,
suor,
E voltarás a
encontrar-me, como eu era,
Pequeno
E belo...
1969
•
Mahmoud Darwish nasceu em 1942 em Al-Birweh e morreu em Houston, 2008. O vilarejo
onde nasceu foi inteiramente arrasado pelas forças de ocupação
israelenses em 1948, durante a Nakba, e a família do poeta refugiou-se no
Líbano, onde permaneceu por um ano. Voltou clandestinamente ao seu país e
descobriu que o vilarejo onde nasceu fora substituído pela colônia agrícola
israelense de Ahihud. Foi preso diversas vezes entre 1961 e 1967,
e a partir da década seguinte passou a viver como refugiado até ser
autorizado a retornar à Palestina, para comparecer a um funeral, em maio
de 1996. Darwich é o autor da Declaração de Independência Palestina,
escrita em 1988 e lida pelo líder palestino Iasser Arafat,
quando declarou unilateralmente a criação do Estado Palestino.
* Traduções de Júlio de Magalhães. Os poemas aqui copiados foram publicados inicialmente em no Portal MPPM.
Maravilhosa seleção de poemas extraordinários. Só a POESIA tem esta força...
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