segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Quatro poemas de Henriqueta Lisboa




Os lírios

Certa madrugada fria
irei de cabelos soltos
ver como crescem os lírios.

Quero saber como crescem
simples e belos — perfeitos! —
ao abandono dos campos.

Antes que o sol apareça
neblina rompe neblina
com vestes brancas, irei.

Irei no maior sigilo
para que ninguém perceba
contendo a respiração.

Sobre a terra muito fria
dobrando meus frios joelhos
farei perguntas à terra.

Depois de ouvir-lhe o segredo
deitada por entre os lírios
adormecerei tranquila.


Divertimento 

O esperto esquilo
ganha um coco.
Tem olhos intranquilos
de louco.
Os dentes finos
mostra. E em pouco
os dentes finca
na polpa.
Assim, com perfeito estilo,
sob estridentes
dentes,
o coco, em segundos, fica
todo oco.

Noturno 

Meu pensamento em febre
é uma lâmpada acesa
a incendiar a noite.

Meus desejos irrequietos,
à hora em que não há socorro,

dançam livres como libélulas
em redor do fogo.


Amargura

Eu chegarei depois de tudo,
mortas as horas derradeiras,
quando alvejar na treva o mudo
riso de escárnio das caveiras.

Eu chegarei a passo lento,
exausta da estranha jornada,
neste invicto pressentimento
de que tudo equivale a nada.

Um dia, um dia, chegam todos,
de olhos profundos e expectantes.
E sob a chuva dos apodos
há mais infelizes do que antes.

As luzes todas se apagaram,
voam negras aves em bando.
Tenho pena dos que chegaram
e a estas horas estão chorando...

Eu chegarei por certo um dia...
assim, tão desesperançada,
que mais acertado seria
ficar em meio à caminhada.

Henriqueta Lisboa nasceu em Lambari, em 15 de julho de 1901. Publicou vários ensaios, livros para crianças e poemas; estes últimos em títulos como Fogo fátuo, seu primeiro livro. Traduziu os Cantos, de Dante Alighieri e parte da obra de Gabriela Mistral organizada na antologia Poemas escolhidos.  Pela sua obra recebeu o Prêmio Machado de Assis. Morreu em 9 de outubro de 1985 em Belo Horizonte. 

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