Os lírios
Certa
madrugada fria
irei de cabelos soltos
ver como crescem os lírios.
Quero saber como crescem
simples e belos — perfeitos! —
ao abandono dos campos.
Antes que o sol apareça
neblina rompe neblina
com vestes brancas, irei.
Irei no maior sigilo
para que ninguém perceba
contendo a respiração.
Sobre a terra muito fria
dobrando meus frios joelhos
farei perguntas à terra.
Depois de ouvir-lhe o segredo
deitada por entre os lírios
adormecerei tranquila.
Divertimento
O esperto esquilo
ganha um coco.
Tem olhos intranquilos
de louco.
Os dentes finos
mostra. E em pouco
os dentes finca
na polpa.
Assim, com perfeito estilo,
sob estridentes
dentes,
o coco, em segundos, fica
todo oco.
Noturno
Meu pensamento em febre
é uma lâmpada acesa
a incendiar a noite.
Meus desejos
irrequietos,
à hora em que não há socorro,
dançam
livres como libélulas
em redor do fogo.
Amargura
Eu chegarei
depois de tudo,
mortas as
horas derradeiras,
quando
alvejar na treva o mudo
riso de
escárnio das caveiras.
Eu chegarei
a passo lento,
exausta da
estranha jornada,
neste
invicto pressentimento
de que tudo
equivale a nada.
Um dia, um
dia, chegam todos,
de olhos
profundos e expectantes.
E sob a
chuva dos apodos
há mais
infelizes do que antes.
As luzes
todas se apagaram,
voam negras
aves em bando.
Tenho pena
dos que chegaram
e a estas
horas estão chorando...
Eu chegarei
por certo um dia...
assim, tão desesperançada,
que mais
acertado seria
ficar em
meio à caminhada.
•
Henriqueta
Lisboa nasceu em Lambari, em 15 de julho de 1901. Publicou vários ensaios, livros para crianças e
poemas; estes últimos em títulos como Fogo fátuo, seu primeiro livro. Traduziu os Cantos, de
Dante Alighieri e parte da obra de Gabriela Mistral organizada na antologia Poemas
escolhidos. Pela sua obra recebeu o
Prêmio Machado de Assis. Morreu em 9 de outubro de 1985 em Belo Horizonte.
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