segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Dois poemas de Eugenio Montale



Não nos peças a palavra que acerte cada lado
de nosso ânimo informe, e com letras de fogo
o aclare e resplandeça como açaflor
perdido no meio de poeirento prado.

Ah o homem que lá se vai seguro,
dos outros e de si próprio amigo,
e sua sombra descura que a canícula
estampa num escalavrado muro!

Não nos peças a fórmula que te possa abrir mundos,
e sim alguma sílaba torcida e seca como um ramo.
Hoje apenas podemos dizer-te
o que não somos, o que não queremos.

***

Passar à sesta pálido e absorto
rente dum abrasado muro de horto,
escutar entre sarças e espinhos
cicios de cobra, pio de passarinhos.

Nas ervilhas ou em gretas do solo
espiar carreiras de rubras formigas
que ora se separam ora se ligam
ao cruzarem nalgum monte minúsculo.

Observar entre frondes o palpitar
distante das escamas do mar
enquanto se eleva o tremor estrídulo
das cigarras nalgum alto escalvado.

E andando no sol, encadeado,
sentir como triste maravilha
como é toda a vida e as suas lidas
neste acompanhar uma muralha
que em cima tem cacos de garrafas partidas.

Eugenio Montale nasceu em Gênova em 12 de outubro de 1896. Poeta, jornalista e tradutor. Recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1975. Da sua vasta obra se destacam os títulos Ossos de sépia, As ocasiões e A tormenta e outras coisas. O poeta morreu em 12 de setembro de 1981, em Milão. 

* Traduções de Renato Xavier.

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