Primeira opção
Cada homem é levado por si, ou por outrem,
à amargura jubilosa de uma consciência de faca.
Por esta consciência os nós do seu sangue
lhe amadurecem até à hora em que as coisas
lhe caem sobre os olhos, com a velocidade
dos poléns que o sol enfureceu por descuido.
Segunda opção
Cada homem é levado à lucidez da carne,
porque a carne tem o bote harmonioso
das molas, que se enchem de visco e energia,
e impelem o vento na direção inacreditável
das velas atentas às madeiras odoríferas.
Terceira opção
Cada homem é levado a uma noite irreversível,
feita de todos os destroços de suas palavras,
e de todas as alturas de suas adesões.
Nessa noite - ó encanto! ó jardins suspensos! -
é-lhe concedido, pela primeira vez, o assombro
de dar-se um nome, como aos inventos eletrônicos.
Quarta opção
O homem, que é levado, dá-se um nome sem nome,
que só ele saberá, por mais que explique aos amigos
a perfeita lógica do pé que se liquefez,
ou a segurança bravia do tórax onde as buganvílias
cresceram como carícias ruborizadas pelo frio.
Ah! mas é terrível carregar-se consigo a flama,
que só em nossa pele logrará devorar o bosque.
Quinta opção
Mas a paz dos galos que escancaram as manhãs
acompanha a comitiva do que ficou um só.
Homens: escolhei vossos caminhos a cada curva,
dai-lhes de beber o leite de vossos cérebros,
propiciai-lhes o mel de vossas angústias inaugurais.
Há doçura no medo de errar onde não se errou,
e engrandece um erro sabê-lo único.
Sexta opção
Cada homem se leva, por si, ou por outrem,
ao território insensato no qual a morte admite
despir-se de sua indumentária da tábua e do cravo.
Ali é que ela exibe seu sexo ao homem
e o obriga a adorar a Deus na graça do vácuo,
onde o próprio Não sabe a misericórdia.
Sétima opção
Esta misericórdia procede da lâmina polida
que penetra até onde lhe é possível conduzir
o bico longilíneo do murmúrio que o homem
hospeda às avessas, no labirinto do seu rosto.
Contudo: ei-lo ali, este gigante que escolheu.
no meio de outros homens, uma coisa tão sua
que até se arrepende de ter vivido excessivamente.
Oitava opção
Decerto nosso corpo calcula o seu poderio
a partir dos dentes que afia para o ar.
Mas este corpo imediato, que é carne centrífuga,
não se cativa às leis que o fixam aos morangos,
ou à muralha túmida dos acertos memoráveis.
O corpo dos homens é a solução que a alma
amealhou para a hora em que a Eternidade
se impõe a cada criatura como um gemido intransferível.
Nona opção
Ignora-se até onde é levado o homem,
cuja liberdade mordeu uma nuvem de mercúrio.
Que importa? Há que fiar-se dos fios que não têm meada,
e, por não a terem, desprezam as pontas salvadoras.
Vão eles ao encalço do atavismo das flechas,
e, quanto mais distantes, mais contíguos se sentem,
inúteis de si, embora esta contiguidade temerosa
de um ser que não traziam os constranja à loucura
de amarem o que a vida reserva aos indígenas
da profundidade absoluta, que consiste em tentar
só dar a Deus aquilo que, alguma vez, foi do homem.
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Armindo Trevisan nasceu em Santa Maria em 1933. Formado em Teologia, concluiu o Doutorado em Filosofia pela Universidade de Fribourg, na Suíça. Atuou com professor de História da Arte e Estética na Universidade do Rio Grande do Sul entre 1973 e 1986. Autor de vasta obra poética. Dessa produção é possível citar A surpresa do ser, o livro de estreia em 1967, Funilaria do ar (1973), O ferreiro harmonioso (1978), A mesa do silêncio (1982), A dança do fogo (1995) e O canto das criaturas (1998).
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