segunda-feira, 15 de julho de 2019

Três poemas Edmundo de Bettencourt



Enquanto os elefantes pela floresta galopavam
no fumo do seu peso,
perto, lá andava ela nua a cavalgar o antílope,
com uma asa direita outra caída.
E a amazona seguia...
e deixava a boca no sumo das laranjas.
Os olhos verdes no mar.
O corpo em nuvem das alturas
— a guardadora
da sempre nova faísca incendiária!



COMIGO

O cómico avançou num rodopio
galvanizando o ar... Depois cantou,
com graça, entre piruetas, recitou,
e nem um riso único surgiu!

De mágoa eu tinha lágrimas em fio,
quando esta ausência estranha despertou
o espetador que eu era, e me apontou
o coliseu sem público... vazio...

— Oh solidão macabra da platéia!
bem cedo abriu a tua sombra fria
no meu olhar altas paisagens de ouro:

— Fumos de luz onde voei perdido
o ano dum minuto agradecido,
para ver-te no fim rir do meu choro...

Coimbra, janeiro deste ano 1927


APARIÇÃO 

A mulher que por mim passou na rua, há pouco, 
foi uma coisa diáfana, gentil, 
cedo, a pairar 
na sombra dum jardim 
com flores, em baixo, ajoelhadas, 
ao senti-la na altura, 
e mandando-lhe o aroma em lágrimas, desfeito, 
para mantê-la em uma nuvem branca... 

Mulher, coisa diáfana, vaga e bela, sem desenho, 
logo fluido animando o colo duma nuvem, nuvem, 
num ápice, trucidada pelo vento! 

Edmundo de Bettencourt nasceu no Funchal em 1889. Sua obra poética é breve, circunscrita a três livros Poemas surdos, O momento e a legenda e Poemas de Edmundo de Bettencourt, este último uma antologia saída com sua obra completa e prefácio polêmico e histórico de Herberto Helder. Reconhece-se na poesia de Bettencourt originalidade imagética e mesmo pré-surrealista. Foi um dos fundadores da revista presença a que deu nome e que posteriormente abandonaria com Miguel Torga e Branquinho da Fonseca. Morreu em Lisboa em 1973.



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