terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Três poemas de Jacques Roubaud




PORNOGRAFIA

Uma lembrança pode ser pornográfica?
Seria preciso que uma pornografia pudesse não ser pública, sem testemunha, visto que uma lembrança não se escreve, não se mostra, não se diz. sem gente que espia.
Não sou necrófilo, não desejo teu cadáver. não sei o que é. se é. vi-te morta. não te vi cadáver.
Porém eu desejo.
Essas lembranças são as mais sombrias de todas.
Violentam o mais possível o princípio de realidade.
Mergulho, em pleno dia, nesses ardores.
Mexes, respiras.
Mas o silêncio é absoluto.


ESSE PEDAÇO DE CÉU…

Este pedaço de céu
doravante
te é consagrado

em que a face cega
da igreja
se encurva

complicada
por uma castanheira,

o sol, ali
hesita
deixa

um vermelho
ainda

antes que terra
emita

tanta ausência

que teus olhos
se exprimem

de nada


EM MIM REINAVA A DESOLAÇÃO

Onde tua existência era tão forte. tornara-se forma de ser.
Em mim reinava a desolação. como falando em voz baixa.
Mas as palavras não tinham a força de atravessar.
De atravessar apenas. pois não havia o quê.
Volta-se para o mundo. volta-se para si.
Não se queria habitar de modo algum.
É o núcleo habitual do infortúnio.
"Você" era nossa maneira de tratamento. fôra.
Morta eu não podia mais dizer senão : "tu".

Jacques Roubad nasceu a 5 de dezembro de 1932 em Caluire-et-Cuire, Ródano, na França. Matemático, foi professor na Universidade de Paris X Nanterre. Sua obra se espraia por várias formas: ensaio, poesia, teatro e romance. Formou parte no grupo chamado grupo de Oulipo, onde conheceu o escritor Raymond Queneau, quem publicou a primeira obra de Roubad, pelas Edições Gallimard.  

* Traduções de Inês Oseki-Dépré


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