terça-feira, 22 de setembro de 2020

Dois poemas de Joaquim Namorado




POETA
 
A poesia é uma máquina
de produzir entusiasmo
e é preciso que os versos sejam verdadeiros
na vida dos poetas
como a tua mão erguida
sobre os anos futuros
quando o próprio bronze das estátuas se cobrir
do verdete do esquecimento
e das urtigas
entre as ruínas de um passado morto
e as pequenas plaquetes dos sentimentos pobres
dos líricos delírios
das doidas metáforas sem sentido
louvadas pela crítica
só tiverem o arqueológico encanto
de um cabelo de Ofélia.
 
Então
os teus versos estarão na primeira fila dos pioneiros
cobertos de cicatrizes
porque fizeram todo o caminho do tempo
multiplicados por milhões de vozes
pela alta potência dos alto-falantes
como uma bandeira erguida
sobre os anos futuros.
 
 
LIBERDADE
 
Quem marca uma fronteira
àquela nuvem
a asa que é a sua sombra
onde mora?
 
Sob as mordaças
calam-se as palavras
mas ninguém te cala
pensamento.
 
Quem manda à semente
não germines
ao fruto dela
que o não seja?
 
Amarram-se os pulsos
com algemas
mas ninguém te amarra
pensamento.
 
Quem impõe ao dia
que não nasça
ao sol que é a sua fonte
que não brilhe?
 
Fecham-se as janelas
com tapumes
mas ninguém te cega
pensamento.
 
Quem diz ao amor
é impossível
à lembrança que é seu laço
que o não seja?
 
Separam-se os amantes
na distância
ninguém te roubará
meu pensamento.
 
Joaquim Namorado nasceu a 30 de junho de 1914, em Alter do Chão, Alentejo, Portugal. Sua presença na cena literária em país está circunscrita no âmbito do Neorrealismo. Colaborou com as revistas Seara novaSol nascente e Vértice ― importantes periódicos os autores desta estética. Como poeta, estreou com Aviso à navegação (1941); este livro foi seguido de Incomodidade (1945) e A poesia necessária (1966). Morreu em Coimbra a 29 de dezembro de 1986.
 

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