terça-feira, 15 de setembro de 2020

Três poemas de Billy Collins





OS MORTOS

Os mortos estão sempre nos observando, dizem,
enquanto calçamos os sapatos ou fazemos um sanduíche,
olham pelo fundo de vidro dos barcos do céu
enquanto remam lentamente pela eternidade.

Veem o topo de nossas cabeças mexendo embaixo na terra,
e quando deitamos num campo ou sofá,
drogados talvez pelo zunido de uma tarde quente,
pensam que voltamos os olhos para eles,

o que os faz suspender os remos e calar
e esperar, como pais, que fechemos nossos olhos.


BUDAPESTE

Minha caneta se move pela página
como o focinho de um estranho animal
em forma de braço humano,
vestido na manga de um amplo suéter verde.

Eu o observo farejando o papel sem cessar,
atento como um forrageador qualquer que nada tem
em mente senão larvas e insetos
que lhe permitam viver mais um dia.

Quer apenas estar aqui amanhã,
vestido, talvez, na manga de uma camisa xadrez,
nariz enfiado na página,
escrevendo mais algumas linhas zelosas

enquanto olho pela janela e imagino Budapeste
ou qualquer outra cidade em que nunca estive.


CONVERSÃO

Gostaria de passar o dia na encosta
de uma montanha, ouvindo uma parábola
sobre uma ovelha perdida ou um parreiral arruinado.

Por meses minha única companheira seria esta história,
e quanto mais a contasse para mim mesmo,
mais claro tudo se tornaria.

Por fim, tiraria meu capacete de opiniões
e andaria pelas ruas da cidade
mostrando o cogumelo moreno e macio de minha nova cabeça.

Repetiria a história para pequenos grupos de homens,
fazendo desenhos na areia com um bastão.
Eu os deixaria murmurando em círculo.

E tarde da noite quando o vento frio encontrasse
as frestas de minha casa,
agitando o toco de vela perto de minha cama,

a língua da chama recitaria a história
e todas as sombras do meu eu antigo
tremeriam no teto e nas paredes de pedra.

Billy Collins nasceu a 22 de março de 1941, em Nova York. Autor de vasta obra literária distinguida em vários. Alguns dos livros são Questions About Angels (1991), Picnic, Lightning (1998), The Art of Drowning (1995), Ballistics (2008), Horoscopes for the Dead (2011). O segundo título citado foi o que o colocou em destaque nos círculos literários em país.

* Traduções de Maria Lúcia Milléo Martins.


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