terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Três poemas de Ida Vitale




 
A PALAVRA
 
Expectantes palavras,
fabulosas em si,
promessas de sentidos possíveis,
airosas,
                aéreas,
                               airadas,
                                               ariadnas.
 
Um breve erro
torna-as ornamentais.
Sua indescritível objetividade
nos apaga.
 
 
RESÍDUO
 
Vida curta ou longa, tudo
o que vivemos se reduz
a um gris resíduo na memória.
 
Das antigas viagens ficam
as enigmáticas moedas
simulando falsos valores.
 
Da memória apenas sobe
um vago pó e um perfume
Talvez seja a poesia?
 
 
BORBOLETAS
 
Alto,
no pouco céu da rua,
duas borboletas amarelas brincam,
criam no serial do semáforo
um imprevisto espaço,
luz livre para o alto,
luz que ninguém viu,
a nada obriga.
Propõem a distração terrestre,
chamam para um lugar
― paralogismo ou paraíso? ― onde
certamente voltaríamos
para merecer um paraíso,
borboletas.
 
 
Ida Vitale nasceu no dia 2 de novembro de 1923, em Montevidéu. É poeta, tradutora, ensaísta e crítica literária integrante da chamada Geração de 45 no seu país natal. Por causa da ditadura militar exilou-se no México entre 1974 e 1984; ainda retornou ao Uruguai e em 1989 transferiu-se para os Estados Unidos, onde viveu até recentemente. Desde 2009, quando recebeu o Prêmio Octávio Paz, acumulou uma variedade de reconhecimentos, como Reina Sofía de Poesia Iberoamericana (2015) e o Prêmio Cervantes (2018). Entre os livros que publicou em poesia estão títulos como La luz de esta memoria (1949), Palabra dada (1953), Cada uno en su noche (1960), Oidor andante (1972), Jardín de sílice (1980), Parvo reino (1984), Sueños de la constancia (1988) e Procura de lo imposible (1998).
 
* Traduções de Pedro Fernandes de Oliveira Neto, publicadas inicialmente no Letras in.verso e re.verso.
 

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