terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Três poemas de Vera Pedrosa

 


 
CORVOS
 
sete corvos gritaram entre guindastes
alarido ao sol poente
vozes ásperas
 
no silêncio da manhã
passei por prados colinas
cordeiros natos de há pouco
é mesmo assim
perguntei
corvos roucos entre guindastes
oxidadas engrenagens
pontes
ficaram para trás
pulsaram postes
é mesmo assim?
 
a sucessão de estacas verticais
e de dormentes
e o cinza o úmido
a estação de onde se chega ao cais
cheiro de mofo e sal
é cedo ainda
 
 
DÁDIVAS
 
abre-se um prisma
na mão estendida
irradia
o plano evoca vozes palmas cadências
risadas palavras gratas
 
 uma janela abre-se ao vento
abre-se ao perene dia
ao incêndio
ao desdobramento permanente
da coisa contínua
 
abre-se a janela a águas serenas
à voragem
a vertedouros e estuários
 
à distância descortina-se a planura
um campo ilimitado
que a aurora abre
 
 
CAVALO
 
no clarão
a figura de um cavalo
cor de cinza e claro
estardalhaço de papel crepom flores e fitas
e se impacienta
ânsia de voo
 
no planalto
o espaço é ilimitado
se não te estancas na borda
uma força talvez te aspire
ou tropeces talvez
em direção ao oco
 
já o cavalo
sabe o espaço
o espaço no galope
despenca pelos lados
enquanto o tempo
insaciável
predador
dispara
 
 
Vera Pedrosa nasceu no Rio de Janeiro em 1936. Formada em Filosofia, foi jornalista nos jornais Correio da Manhã e Jornal do Brasil, e dedicou boa parte de sua vida às atividades diplomáticas passando por países como a Espanha, Peru, Holanda, Dinamarca, Equador e França. Integrou a famosa antologia organizada por Heloísa Buarque de Hollanda, 26 poetas hoje, publicada em 1975 e que reuniu importantes nomes da poesia brasileira daquela geração. Na poesia destacou-se pelos livros Poemas (1964), Perspectiva Naturalis (1978), De onde voltamos o rio desce (1979) e A árvore aquela (2015). Vera Pedrosa morreu no dia 3 de fevereiro de 2021, no Rio de Janeiro.
 
 
 

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