terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Três poemas de Ada Negri

 


SEM NOME
 
Eu sou sem nome.— Eu sou a tosca filha
Do úmido pardieiro;
Plebe triste e danada por família,
Mas indômito é o fogo companheiro.
Segue meus passos maligno um duende
E ora um anjo adiante.
Galopa meu pensar e sobe e pende,
Como Mazeppa no cavalo arfante.
Enigma sou de amor e de sadismo,
De força e de doçura;
Atrai-me a treva do abismo,
Comove-me a criança e sua candura.
Se pela porta da água-furtada
O infortúnio entra, rio;
Rio se atacada ou enjeitada,
Sem alegrias e sem confortos, rio.
Mas pelos velhos tremendo fatigados,
Pelos sem pão, eu choro;
Pelo menino magro e esfomeado,
Por mil desconhecidas dores, choro.
E quando o pranto do peito me transborda,
Num canto estranho e ardente
A alma toda arranco corda a corda
Na melodia que à boca vem fremente.
De quem ouve não cuido e se covarde
Palor me fere e cinge,
Peito o destino de vez que não me atarde,
E o viperino fel já não me atinge.
 
 
O DOM
 
O dom supremo que dia após dia
e ano após ano esperei de ti, ó vida,
(e pelo qual, tu sabes, foi para mim doçura
mesmo o pranto) não veio: nem vem ainda.
A cada manhã que acorda digo: É hoje
a cada dia que finda no ocaso digo:
Será amanhã. Corre no entanto o rio
do meu sangue vermelho rumo à sua foz:
e quiçá o dom que podes dar, o único
que valha, ó vida, é este sangue: este
fluir secreto nas veias, e o bater
dos pulsos, e a luz vinda dos olhos; e te amar
unicamente porque és a vida.
 
 
ORAÇÃO

Faça-me igual, Senhor, àquelas folhas
moribundas, que vejo hoje no sol
tremer no mais alto ramo do olmo.
Tremem, sim, mas não de pena: é tão
límpido o sol e doce o desprender-se
do ramo, para assim reunir-se à terra.
Acendem-se na luz última, corações
prontos à dádiva; e a agonia, para elas,
tem a clemência de uma meiga aurora.
Faz que eu me solte do mais alto ramo
da minha vida assim, sem um lamento,
penetrada por Ti, come se pelo sol.
 
Ada Negri nasceu em Lodi a 3 de fevereiro de 1870. Estreou como poeta com a publicação de Fatalità, em 1892; o reconhecimento pela escrita deste livrou lhe favoreceu na nomeação para a escola normal em Milão. Até então, com o diploma de professora do ensino elementar trabalhava desde os dezoito anos como professora numa aldeia de Motta Visconti. Depois do primeiro livro vieram Tempeste (1896) e Estrela matutina (1921), obra mais reconhecida. Morreu a 11 de janeiro de 1945, em Milão.
 
* Traduções de Fabio Malavoglia
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário