terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Três poemas de Edgar Allan Poe





Não fui, na infância, como os outros 
e nunca vi como outros viam. 
Minhas paixões eu não podia 
tirar de fonte igual à deles; 
e era outra a origem da tristeza, 
e era outro o canto, que acordava 
o coração para a alegria. 
Tudo o que amei, amei sozinho. 
Assim, na minha infância, na alba 
da tormentosa vida, ergueu-se, 
no bem, no mal, de cada abismo, 
a encadear-me, o meu mistério. 
Veio dos rios, veio da fonte, 
da rubra escarpa da montanha, 
do sol, que todo me envolvia 
em outonais clarões dourados; 
e dos relâmpagos vermelhos 
que o céu inteiro incendiavam; 
e do trovão, da tempestade, 
daquela nuvem que se alterava, 
só, no amplo azul do céu puríssimo, 
como um demônio, ante meus olhos
 
 
UM SONHO

Sonhei, entre visões da noite escura, 
com a alegria morta, mas meu sonho 
de vida e luz me despertou, tristonho, 
com o coração partido de amargura.

Ah! que não vale um sonho à luz do dia 
para aquele que os olhos traz cravados
nas coisas que o rodeiam e os desvia 
para tempos passados?

Aquele santo sonho, sonho santo, 
enquanto o mundo repelia o pária, 
deu-me o conforto, como luz de encanto 
a conduzir uma alma solitária.

E embora a luz, por entre a tempestade
e a noite, assim tremesse, tão distante,
que poderia haver de mais brilhante
no claro sol da estrela da Verdade?
 
 
VÉSPER

Era em pleno verão.
Andava a noite em meio.
E as estrelas, no seu revoluteio,
luziam desbotadas, ao clarão
maior da lua fria,
que, entre a turba dos astros que a servia,
dos céus vinha lançar
seu brilho sobre o mar.

Olhei por um instante
o seu sorriso enregelante,
para mim frio, tão frio...
e lá passou, qual fúnebre atavio,
uma nuvem, que em flocos se reparte.
Voltei-me então, a olhar-te,
Vésper altiva e nobre,
de esplendor que a distância não encobre,
e mais caro seu brigo me há de ser;
pois o prazer
é o que de mais esplêndido tu trazes
para o meu coração,
nas ondas que, no céu, à noite, fazes,
e é bem maior a minha admiração
por tua chama afastada
que por aquela luz, tão perto, mas gelada.
 
Edgar Allan Poe nasceu a 19 de janeiro de 1809, em Boston. Reconhecido por sua contística e pelo célebre poema “O corvo”, foi um dos nomes mais importantes da literatura romântica. Sua estreia na literatura se deu com a publicação de um livro de poesia, Tamerlane and Other Poems, em 1827. Neste gênero, além dos títulos citados, escreveu significativa obra, entre os quais se destacam The City in the Sea (1831), O verme vencedor (1837), Silence (1840), To Helen (1848) e Annabel Lee (1849). Na prosa, Poe se destacou ainda pelas reflexões que construiu sobre a composição poética. Morreu a 7 de outubro de 1849.
 
* Traduções de Oscar Mendes e Milton Amado.
 
 

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