terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Dois poemas de Rubem Braga



AO ESPELHO
 
Tu, que não foste belo nem perfeito,
Ora te vejo (e tu me vês) com tédio
E vã melancolia, contrafeito,
Como a um condenado sem remédio.
 
Evitas meu olhar inquiridor
Fugindo, aos meus dois olhos vermelhos,
Porque já te falece algum valor
Para enfrentar o tédio dos espelhos.
 
Ontem bebeste em demasia, certo,
Mas não foi, convenhamos, a primeira
Nem a milésima vez que hás bebido.
 
Volta portanto a cara, vê de perto
A cara, tua cara verdadeira,
Oh Braga envelhecido, envilecido.

(1957)
 
 
BILHETE PARA LOS ANGELES
 
Tu, que te chamas Vinícius
De Moraes, inda que mais
Próprio fora que Imorais
Quem te conhece chamara
Avis rara!
 
Tens uns olhos de menino
Doce, bonito e ladino
E és um calhordaço fino:
Só queres amor e ócio,
Capadócio!
 
Quando a viola ponteias
As damas cantando enleias
E as prendes em tuas teias ―
Tanto mal já fizeste,
Cafajeste!
 
Apesar do que, faz falta
Tua presença, que a malta
Do Rio pede em voz alta:
Deus te dê vida e saúde
Em Hollywood!
 
(1949)
 
Rubem Braga nasceu a 12 de janeiro de 1913 em Cachoeiro de Itapemirim, Espírito Santo. Sua dedicação à escrita de crônicas começou desde cedo e o fez reconhecido como o mais importante nome da literatura brasileira nesta forma criativa. É vasta sua obra e dela se destacam títulos como O conde e o passarinho, A borboleta amarela, Recado de primavera e Um cartão de Paris. Interessado leitor de poesia, organizou edições com a obra de Casimiro de Abreu e Luís de Camões. Designado poeta bissexto, integrou várias antologias, como a Antologia dos poetas contemporâneos; mais tarde toda essa produção foi organizada no Livro de versos. Morreu no dia 19 de dezembro de 1990, no Rio de Janeiro.

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