terça-feira, 20 de abril de 2021

Dois poemas de Manolis Anagnostakis

 


HÁ-DE VIR UM DIA
 
Há-de vir um dia em que não teremos mais nada a dizer,
Havemos de sentar-nos face a face e olhar-nos nos olhos.
O meu silêncio há-de dizer: Como és bela, mas não tenho como
        dizer-to
Havemos de ir não sei onde, assim, por desfastio, e para podermos
         dizer que também viajámos.
 
A gente passa a vida toda a procurar o amor, pelo menos — mas
        não encontra nada.
Muitas vezes penso que a vida é tão pequena que nem vale a
        pena começá-la.
De Atenas vou para Montevideu, ou talvez até para Xangai; isto já
        é qualquer coisa, e nem penses duvidar.
 
Fumámos — lembra-te — cigarros sem fim uma noite, discutindo
— já não sei de quê — e é pena, porque era muito mas muito
        Interessante.
 
Um dia, ai viesse ele!, hei-de fugir para longe de ti mas mesmo aí
        hás-de vir procurar-me.
Ninguém, meu Deus, consegue nunca fugir sozinho.
 
 
A DECISÃO
 
É a favor ou contra?
Responda sim ou não.
Deve ter pensado no problema
Creio que certamente o preocupou
Tudo na vida nos preocupa
Filhos mulheres insectos
Ervas ruins horas perdidas
Difíceis paixões dentes cariados
Filmes medíocres. Isto também o deve ter preocupado.
Assim sendo, responda com critério. Isto é, sim ou não.
Cabe-lhe a si decidir.
Naturalmente, não lhe pedimos que interrompa
Os seus afazeres, que corte com a sua vida,
Os jornais favoritos e as discussões
No barbeiro, os domingos no estádio.
Só uma palavra. Avante, pois:
É a favor ou contra?
Pense bem. Fico à espera.
 
Manolis Anagnostakis nasceu a 10 de março de 1925 em Tessalônica. Formado em Medicina, cedo fez-se poeta e tornou-se um dos nomes mais reconhecidos na poesia grega do século XX, sobretudo pela forte marca existencialista da sua obra. Seu primeiro livro do gênero, Epoches, foi publicado em 1945. Morreu a 23 de junho de 2005 em Atenas.
 
* Traduções de Manuel Resende.

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