FELICIDADE
Tão cedo que ainda está escuro lá
fora.
Estou perto da janela com o café
e tudo aquilo que normalmente a essa hora
nos passa pela mente.
Quando vejo o garoto e seu amigo
subindo a rua
para entregar o jornal.
Eles usam bonés e agasalhos,
e um deles carrega uma mochila no ombro.
Estão tão felizes
que nem dizem nada, os garotos.
Acho que, se pudessem, estariam até
de braços dados.
É de manhã bem cedo
e estão fazendo isso juntos.
Lá vêm eles, lentamente.
O céu começa a clarear,
embora a lua ainda paire sobre a água.
Tanta beleza que por um minuto
a morte e a ambição, até mesmo o amor,
não têm lugar aqui.
Felicidade. Ela vem
inesperadamente. E, na verdade, vai além
de qualquer discurso sonolento.
SIMPLES
Uma brecha nas nuvens. Azul,
a silhueta das montanhas.
O amarelo escuro dos campos.
O rio negro. O que faço aqui,
solitário e cheio de remorso?
Vou comendo ao acaso de uma tigela
de amoras. Se eu estivesse morto,
lembro a mim mesmo, não estaria
comendo amoras. Não é tão simples.
É simples assim.
FOTOGRAFIA DO MEU PAI AOS 22
ANOS
Outubro. Aqui nesta cozinha
abafada e estranha,
estudo o rosto jovem e constrangido do meu pai.
Rindo sem jeito, ele segura numa das mãos uma fieira
de percas amarelas espinhentas, na outra
uma garrafa de cerveja Carlsbad.
Vestindo jeans e camiseta branca, apoia-se
no para-lama dianteiro de um Ford 1934.
Ele gostaria de posar confiante e enérgico para a posteridade,
com seu velho chapéu caído sobre a orelha.
A vida toda meu pai quis ser valente.
Mas os olhos o entregam, e as mãos,
que exibem hesitantes a fieira de peixes mortos
e a garrafa de cerveja. Pai, eu te amo, mas
como posso dizer obrigado, eu que também não sei controlar a bebida,
e nem sequer conheço os lugares bons para pescar?
Estou perto da janela com o café
e tudo aquilo que normalmente a essa hora
nos passa pela mente.
Quando vejo o garoto e seu amigo
subindo a rua
para entregar o jornal.
Eles usam bonés e agasalhos,
e um deles carrega uma mochila no ombro.
Estão tão felizes
que nem dizem nada, os garotos.
Acho que, se pudessem, estariam até
de braços dados.
É de manhã bem cedo
e estão fazendo isso juntos.
Lá vêm eles, lentamente.
O céu começa a clarear,
embora a lua ainda paire sobre a água.
Tanta beleza que por um minuto
a morte e a ambição, até mesmo o amor,
não têm lugar aqui.
Felicidade. Ela vem
inesperadamente. E, na verdade, vai além
de qualquer discurso sonolento.
a silhueta das montanhas.
O amarelo escuro dos campos.
O rio negro. O que faço aqui,
solitário e cheio de remorso?
de amoras. Se eu estivesse morto,
lembro a mim mesmo, não estaria
comendo amoras. Não é tão simples.
É simples assim.
estudo o rosto jovem e constrangido do meu pai.
Rindo sem jeito, ele segura numa das mãos uma fieira
de percas amarelas espinhentas, na outra
uma garrafa de cerveja Carlsbad.
Vestindo jeans e camiseta branca, apoia-se
no para-lama dianteiro de um Ford 1934.
Ele gostaria de posar confiante e enérgico para a posteridade,
com seu velho chapéu caído sobre a orelha.
A vida toda meu pai quis ser valente.
Mas os olhos o entregam, e as mãos,
que exibem hesitantes a fieira de peixes mortos
e a garrafa de cerveja. Pai, eu te amo, mas
como posso dizer obrigado, eu que também não sei controlar a bebida,
e nem sequer conheço os lugares bons para pescar?
•
Raymond Carver nasceu a 25 de maio
de 1938, em Clatskanie, Oregon. Reconhecido um dos mais importantes ficcionistas do
chamado realismo sujo, também se dedicou ao trabalho com a poesia, resultando
deste quase uma dezena de títulos, como Near Klamath, o de estreia, e a coletânea
que reuniu todos os livros anteriores e poemas esparsos All of Us: The
Collected Poems. No Brasil, cinquenta poemas seus foram reunidos em Esta
vida. Carver morreu a 2 de agosto de 1988 em Port Angeles, Washington.
* Traduções de Cide Piquet
Nenhum comentário:
Postar um comentário