GATO
rasante zoom à risca:
decifro um gato
sob as unhas do menino
prévio ao meu temor:
movo-me entre as raias
com cuidado
evito o negro
onde me perco:
não toco o tigrado dorso
nem o riso convexo
olho:
desdobro um tanto a memória
que rumina: mão infante
o pintou zebrino
em véspera de pulo:
arqueio as setas do bigode
que fremem sobre as tetas
pois é fêmea
e trívio
como qualquer gato:
mas esse exato
derreteu geleiras
ou ressecada areia
fui avesso nas águas
imerso
fui resistindo sem rima
no verso
eu unitário grão
desta pedra no impluvium
me fluo
e sôbolos rios
eu contrário
me lanço ao mundo
se me perco tordesilhas do outro lado de mim
tampouco me socorre o que é vedado
em que me fendo como fruta cindida
a que se come jamais mais que um pedaço
mas mergulho partido e me estilhaço
no brilho afinal reencontrado
de mim terra aportável
estuário
rio adentro
sob a parede das veias
eu coadjutor tangente
me descubro e perco
neste continente
•
Antonio Fernando de Franceschi
nasceu em 1942 em Pirassununga, São Paulo. Formado em Filosofia pela
Universidade de São Paulo (USP). Foi Diretor do Museu de Arte de São Paulo,
editor-responsável pela prestigiada publicação Cadernos de Literatura Brasileira,
editados pelo Instituto Moreira Salles (IMS). Escreveu poesia e ficou
reconhecido por títulos como Tarde revelada (Brasiliense, 1985; prêmio
Jabuti), Caminho das águas (Brasiliense, 1987; prêmio Jabuti e prêmio da
APCA), Fractais (Brasiliense, 1990), A olho nu (Companhia das
Letras, 1993) Sete suítes (Companhia das Letras, 2010) e Sal
(Companhia das Letras, 2017). Franceschi morreu no dia 31 de maio de 2021, em
São Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário