terça-feira, 11 de maio de 2021

Dois poemas de Alfonsina Storni




CAPRICHO
 
Penetre-me os olhos, surpreende-me a boca,
Agarre forte com suas mãos esta cabeça louca,
Dê-me de beber veneno, o veneno maldito
Que lhe lambe os lábios apesar de inofensivo.
 
Mas não me pergunte, não me pergunte nada
De por quê chorei na noite passada;
Nós mulheres choramos sem saber o motivo:
Perguntar-se do choro é interrogar o infinito.
 
Logo se vê que dentro temos um mar oculto
Um mar um pouco tolo, bestamente absoluto,
Que nos sobe aos olhos com frequência
Que conduzimos com imprecisa ciência.
 
Não me pergunte, amado, você deve suspeitar
Na noite passada não estava calmo o mar.
É tudo. Tempestades que o vento traz e leva
Vento vadio que novas costas navega.
 
Sim, tolas borboletas no jardim de janeiro
Nosso interior é todo um vazio pleno.
Luz de cristais, fruto de carnavais
Decorado de escamas de serpentes fatais.
 
Somos assim, você sabe. O poeta falou:
Mobilidade absoluta de inconsciente sedutor,
Desejamos e saboreamos o mel de cada taça
E na cabeça ainda temos um pouco brasa.
 
Bem, não, não me pergunte. É coisa de mulher,
Capricho, meu querido, capricho deve ser.
Oh, me deixe rir… Não vê que a tarde é bonita?
Manche-se logo de sangue nessa rosa infinita.
 
 
HOMENZINHO MIÚDO  
 
Homenzinho miúdo, homenzinho miúdo,
Solta o seu canarinho que ele quer voar…
Eu sou o canarinho, homenzinho miúdo,
Me deixa pular.
 
Estive na sua gaiolinha, homenzinho miúdo,
homenzinho miúdo, mas que gaiola você me dá,
digo miúdo porque você não me entende,
nem nunca me entenderá.
 
Nem eu também lhe entendo, mas enquanto isso
abre logo esta gaiola, que eu quero escapar;
homenzinho miúdo, eu te amei por meia hora,
não me peça mais.
 
Alfonsina Storni nasceu a 29 de maio de 1892 em Sala Capriasca, Suíça. Quando tinha quatro anos de idade a família mudou-se para a província de San Juan, Argentina; jovem, vai viver em Rosário, onde divide a vida entre garantir algum sustento e a compor uma obra que só se tornará pública a partir de 1916 com a publicação de La inquietude del rosal. Publicou ainda El dulce daño (1918), Irremediablemente (1919), Languidez (1920), Ocre (1925), Mundo de siete pozos (1934) e Mascarilla y trébol: círculos imantados (1938). Morreu no ano de seu último livro, a 25 de outubro, em Mar del Plata.
 
* Traduções de Wilson Alves-Bezerra publicadas inicialmente na revista Cult.
 
 

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