terça-feira, 21 de setembro de 2021

Três poemas de Teófilo Dias


 

A MATILHA

 
Pendente a língua rubra, os sentidos atentos,
Inquieta, rastejando os vestígios sangrentos,
A matilha feroz persegue enfurecida,
Alucinadamente, a presa mal ferida.
 
Um, afitando o olhar, sonda a escura folhagem;
Outro consulta o vento; outro sorve a bafagem,
O fresco, vivo odor, cálido e penetrante,
Que, na rápida fuga, a vítima arquejante
Vai deixando no ar, pérfido e traiçoeiro;
Todos, num turbilhão fantástico, ligeiro,
Ora, em vórtice, aqui se agrupam, rodam, giram,
E, cheios de furor frenético, respiram,
Ora, cegos de raiva, afastados, dispersos,
Arrojam-se a correr. Vão por trilhos diversos,
Esbraseando o olhar, dilatando as narinas.
Transpõem num momento os vales e as colinas,
Sobem aos alcantis, descem pelas encostas,
Recruzam-se febris em direções opostas,
‘Té que da presa, enfim, nos músculos cansados,
Cravam com avidez os dentes afiados.
 
Não de outro modo, assim meus sôfregos desejos,
Em mantilha voraz de alucinados beijos,
Percorrem-te o primor às langorosas linhas,
As curvas juvenis, onde a volúpia aninhas,
Frescas ondulações de formas florescentes
Que o teu contorno imprime às roupas eloquentes:
O dorso aveludado, elétrico, felino,
Que poreja um vapor aromático e fino;
O cabelo revolto em anéis perfumados,
Em fofos turbilhões, elásticos, pesados;
 
As fibrilas sutis dos lindos braços brancos,
Feitos para apertar em nervosos arrancos;
A exata correção das azuladas veias,
Que palpitam, de fogo entumecidas, cheias,
— Tudo a matilha audaz perlustra, corre, aspira,
Sonda, esquadrinha, explora, e anelante respira,
Até que, finalmente, embriagada, louca,
Vai encontrar a presa, — o gozo — em tua boca.
 
 
O SINO
 
É doce, e ao mesmo tempo amargo, noite afora,
Pelo inverno, escutar junto ao fogo, que fuma,
O lento desfilar das lembranças de outrora,
Dos sinos ao tanger, que sonoriza a bruma.
 
Bem haja o sino, pois, de sonorosa goela,
Que, apesar da velhice, alerta, vigoroso,
Alteia fielmente o grito religioso
Qual velho militar, que sob a tenda vela.
 
Minh’alma é um sino velho e fendido. Sombrio,
Se tenta encher com o dobre o ar das noites frio,
Muita vez lhe agoniza a fraca, surda voz,
 
Como o extremo estertor do soldado esquecido
Sob um lago de sangue, entre mortos, ferido,
E que, imóvel, expira, em rude esforço atroz!
 
 
SONETO DE UMA MOÇA POBRE
 
Eu bem sei que tu és o altivo bardo
Por quem bate meu seio comovido,
O nobre cavalheiro, por quem ardo,
Rico de amor, mas de ouro desprovido.
 
Eu, cautelosa e tímida, se guardo
Um recato composto e recolhido,
Se com aspecto frio te acobardo
O amor afouto, em chamas convertido,
 
Não é porque não pulse-me apressado
O sangue à minha mão, presa na tua,
Quando me sinto trêmula a teu lado;
 
É que me lembro que, a esperar da lua
O manto para roupa do noivado,
Morrerei de pudor, casando... nua.
 
Teófilo Dias nasceu em Caxias, Maranhão, a 8 de novembro de 1854. Foi morar no Rio de Janeiro em 1875, de onde parte para concluir seus estudos na Faculdade de Direito de São Paulo. Sua obra está reunida em livros como Flores e amores (1874), Cantos tropicais (1878), Fanfarras (1882), Lira dos verdes anos (1878) e A comédia dos deuses (1888). Morreu em  São Paulo, a 29 de março de 1889.

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