terça-feira, 4 de agosto de 2020

Dois poemas de Nathan Alterman




CANTO DOS SINAIS

Esta noite um pássaro gritou amargura
como se viessem arrebatar-lhe a alma.
Voou da tua mão esta noite o espelho,
teu vestido esta noite rasgou-se em luto
e contrariada te sentaste para cerzir o rasgão,
e eis que o sangue manchou tua agulha.
Não abras teu coração aos sinais.
Que o medo não arda em teus olhos.
Pois os sinais anunciarão o bem,
pois é a alegria que bate às portas
pois eles não são para ti mas para teus carrascos.
Minha filha, se os cães uivam na cidade
não é sinal de que um anjo passa pela cidade.

Minha filha, se um anjo passa pela cidade
não é sinal de que haverá luto na cidade.
Pois olhos se acenderão, filha,
e céus cintilarão, filha,
e anos passarão, filha.
E os grandes sinais se manifestarão,
e não terão mentido os sinais,
humildes e pobres se alegrarão,
pois é a alegria que bate às portas.
Eu sofro, sofro por teu coração amargo,
como se voltassem a arrebatar-me a alma.
Eu, que não tenho sonho, que não tenho luz,
sonhei-te pesadelo no fim da caverna;
ao despertar, teu sorriso despedaçado brilhava,
e em tua mão o sangue tinha manchado a agulha.
Pois a linguagem dos sinais é clara,
e ei-la diante dos meus olhos e dos teus.
Não é o bem que os sinais anunciarão,
não é a alegria que bate às portas,
pois ela não é para ti mas para teus carrascos.
Minha filha, se uivam cães na cidade,
não é sinal que um anjo passa pela cidade.
Minha filha, se um anjo passa pela cidade,
não é sinal de que se morrerá como tu na cidade.

Que os teus ombros se preparem, filha,
pois ainda não acabou, filha,
e até o fim não terá piedade, filha,
e virá um sinal, o último, filha.
Bebe nosso cálice até as fezes.
Essa é a nossa sorte – suportar os sinais.
Tu, minha única! Sê forte e corajosa!
Não é a alegria que bate às portas.


LUA

Mesmo as imagens familiares têm um instante de nascimento.
Céus sem pássaros
são estranhos e fechados.
A noite fica à janela, ao luar,
e a cidade está mergulhada nas lágrimas dos grilos.

E ao ver que um caminho espera ainda um passante
e a lua
em cima da baioneta do cipreste,
dizes: meu Deus, tudo isso ainda existe?
Pode-se ainda, em voz baixa, perguntar como estão passando?

A água das poças olha-nos e reflete-nos.
A árvore descansa
com seus brincos vermelhos.
Nunca, meu Deus, arrancarão de mim
o sofrimento dos teus grandes brinquedos.

Nathan Alterman nasceu em Varsóvia, Polônia, a 14 de agosto de 1910. Imigrou para Tel Aviv em 1925, onde se tornou um dos mais importantes poetas de seu tempo. Foi tradutor o que deu a conhecer em árabe vários nomes da literatura russa, o inglês William Shakespeare e o francês Molière, entre outros. Dos vários prêmios que recebeu pela sua obra se destacam o Prêmio Israel e o Prêmio Bialik. Morreu no dia 28 de março de 1970, em Tel Aviv, Israel.

* Traduções de Cecília Meireles.

8 comentários:

  1. A poesia de Nathan Alterman é intensa e profundamente lírica. Gosto muito de um poema, de autoria dele, "Primeiro Sorriso".

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    1. Esse poema foi lido por um personagem da minissérie Shtisel. Fiquei curiosa, mas não o encontrei na pesquisa que fiz no google.

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    2. Bom dia!

      Consegue mostrar-me esse poema? Li-o apenas uma vez e perdi-lhe o rasto. Obrigado

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    3. Vi o poema Primeiro Sorriso num seriado mas não estou achando no google
      Muito bom!

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    4. Acabei de ver na série Shtisel, estou procurando e também não acho. Achei tão lindo e emocionante.

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  2. Uma tradução para o inglês:

    FIRST SMILE
    Do not call me with many words. Do not call me with desperate vow. I am gathered to you again.
    From all my weary paths I climb to your threshold now.
    Do not call me with many words.
    Everything shrivels and rots. But you and the night still live.
    So many things wait their turn at the threshold of the heart, stand with fist extended, in an unruly queue— and the night, the night still lives.
    Its darkness smokes from chimneys, its forests rage.
    And it uncages tumult like a zoo.
    If yet your eyes remain, mourning in their sleepless rings, or your name that made a music with its triple strings, now covered with dust, and shut, no longer a source of song— tell that old sorrow of yours, tell the silences that murder tears: one always returns to them,
    returns with an empty heart
    from blazing brand and torch, from smoking towns of war, to embrace—if only once—to embrace them once more.
    Momentous the moments of the end!
    Snuff the candles out. The fight cries out for rest.
    Enfold me in your silence. Distances are adrift.

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  3. A tradução em português, baseada no fragmento lido na série referida aqui.

    Primeiro Sorriso
    Nathan Alterman

    Não me chames com palavras excessivas. Não me chames com um voto desesperado.
    A ti, sou novamente invocado
    Desde meu caminho estafado à tua porta, agora, bato.
    Não me chames com palavras excessivas
    Pois tudo resseca e morre. Exceto tu e a infinita noite.
    Decisivos são os momentos finitos
    Sopres a vela
    A luz implora por repouso
    E me envolvas em teu silêncio
    Distâncias vivem à deriva
    O ar que me sustenta
    Vem de extrema altitude
    Em ti! Jamais vivi em ti!
    Tu que és meu mar
    O sal que tempera minha terra
    Por vezes, tua lembrança
    Me tomará subitamente
    Me atacará como um tigre faminto
    Com ventos lançando portas aos ares
    Com tempestivo deleite
    Com felicidade cujas asas foram partidas

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