terça-feira, 30 de março de 2010

Dois poemas de Casimiro de Abreu

 


MEUS OITO ANOS

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias
Do despontar da existência!
— Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é — lago sereno,
O céu — um manto azulado,
O mundo — um sonho dourado,
A vida — um hino d’amor!

Que aurora, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d’estrelas,
A terra de aromas cheia
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!

Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!

Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberta o peito,
— Pés descalços, braços nus —
Correndo pelas campinas
A roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!

Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo.
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!


................................

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
— Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
A sombra das bananeiras
Debaixo dos laranjais!


CANÇÃO DO EXÍLIO

Se eu tenho de morrer na flor dos anos
         Meu Deus! não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
         Cantar o sabiá!

Meu Deus, eu sinto e tu bem vês que eu morro
         Respirando este ar;
Faz que eu viva, Senhor! dá-me de novo
         Os gozos do meu lar!

O país estrangeiro mais belezas
         Do que a pátria não tem;
E este mundo não vale um só dos beijos
         Tão doces duma mãe!

Dá-me os sítios gentis onde eu brincava
         Lá na quadra infantil;
Dá que eu veja uma vez o céu da pátria,
         O céu do meu Brasil!

Se eu tenho de morrer na flor dos anos
         Meu Deus! não seja já!
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
         Cantar o sabiá!

Quero ver esse céu da minha terra
         Tão lindo e tão azul!
E a nuvem cor-de-rosa que passava
         Correndo lá do sul!

Quero dormir à sombra dos coqueiros,
         As folhas por dossel;
E ver se apanho a borboleta branca,
         Que voa no vergel!

Quero sentar-me à beira do riacho
         Das tardes ao cair,
E sozinho cismando no crepúsculo
         Os sonhos do porvir!

Se eu tenho de morrer na flor dos anos,
         Meu Deus! não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
         A voz do sabiá!

Quero morrer cercado dos perfumes
         Dum clima tropical,
E sentir, expirando, as harmonias
         Do meu berço natal!

Minha campa será entre as mangueiras,
         Banhada do luar,
E eu contente dormirei tranqüilo
         À sombra do meu lar!

As cachoeiras chorarão sentidas
         Porque cedo morri,
E eu sonho no sepulcro os meus amores
         Na terra onde nasci!

Se eu tenho de morrer na flor dos anos,
         Meu Deus! não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
         Cantar o sabiá!

Casimiro de Abreu nasceu a 4 de janeiro de 1839 em Nova Friburgo. É considerado um dos nomes mais significativos da segunda geração do romantismo no Brasil. De família de posses, ligada ao comércio, foi muito cedo viver no Rio de Janeiro e depois para Portugal. No retorno ao Brasil para trabalhar no armazém de seu pai, logo publicou o seu principal livro, Primaveras, que recolheu seus exercícios com a poesia até então. Colaborou com revistas brasileiras de seu tempo, como O panorama e A ilustração luso-brasileira. Também escreveu romance e texto para teatro. Morreu em decorrência da tuberculose na cidade onde nasceu a 18 de outubro de 1860.

 

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