PRESENTE
1
Para mim, este rumor
alado de primavera.
O vinho da claridade
em copos de mais azul.
Tua lúcida presença.
Enquanto, distante, a terra,
com toda a sua umidade,
segura e sem pressa, espera.
*
2
É suave, suave, a pantera,
mas se a quiserem tocar
sem a devida cautela,
logo a verão transformada
na fera que há dentro dela.
O dente de mais marfim
na negrura toda alerta,
e ser de princípio a fim
a pantera sem reservas,
o fervor, a força lúdica
da unha longa e descoberta,
o êxtase de sua fúria
sob o melindre que a fera,
em repouso, se a não tocam,
como que tem na singela
forma que não se alvoroça
por si só, antes parece,
na mansa, mansa e lustrosa
pelúcia com que se adorna,
uma viva, intensa jóia.
*
3
Assim o amor, o que não se dissolve:
como um cacto real, sem aspereza.
Assim o amor real é como um cacto,
o que não se dilui em farta seda,
mas se amacia em seda farta e doce,
e, não sendo água, nem sendo diluível,
é o que se toca e sente, e ver-se pode
não vendo, como aquilo que é sorvido,
e é água sem ser água e sem ser sangue;
e sem ser água dessedenta,
e é quase um fogo essa água toda lenta,
água não água, essa água consistente,
a que se cristaliza numa gema,
numa gema que fosse toda quente.
•
Marly de
Oliveira nasceu em Cachoeiro de Itapemirim, Espírito Santo em 1938. Formou-se em Letras Neolatinas na PUC-RJ. Seu primeiro livro saiu em 1958, Cerco da primavera. Publicou ainda Explicação de Narciso (1960), A suave pantera (1962), O sangue na veia (1967), Contato (1975), A força da paixão (1982) e O mar de permeio (1997), entre outros.
A poesia de Marly de Oliveira filia-se à terceira geração do Modernismo. A poeta morreu no Rio de Janeiro em 2007.
* Os poemas aqui publicados são de Cerco da primavera, A suave pantera e O sangue na veia.
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