NOTURNO
Nem uma só verdade resplandece
Neste verão sonhado por abutres.
O ano inteiro, o outro ano, e o outro,
Mentidos pela mímica de um bufo,
Contam falsas proezas de funâmbulo.
E os saltos já não podem mais traçar
O mito que exercemos, a parábola.
Alardes, fugas, flâmulas.
Palmeiras
Partilhando o resgate da beleza
Das nuvens criadoras de uma estrela,
De nada mais que uma. O saltimbanco,
Mirando-se nas poças, rejubila.
E ressoa na flauta de anteontem
O repouso de um pântano...
Quanto foste traído! O luar torto
Raiva no campo aberto onde esta noite
Um profeta estremece no seu túmulo.
O MUNDO QUE VENCI DEU-ME UM
AMOR
O mundo que venci deu-me um amor,
Um troféu perigoso, este cavalo
Carregado de infantes couraçados.
O mundo que venci deu-me um amor
Alado galopando em céus irados,
Por cima de qualquer muro de credo,
Por cima de qualquer fosso de sexo.
O mundo que venci deu-me um amor
Amor feito de insulto e pranto e riso,
Amor que força as portas dos infernos,
Amor que galga o cume ao paraíso.
Amor que dorme e treme. Que desperta
E torna contra mim, e me devora
E me rumina em cantos de vitória...
SONETO ANTIGO
Esse estoque de amor que acumulei
Ninguém veio comprar a preço justo.
Preparei meu castelo para um rei
Que mal me olhou, passando, e a quanto custo.
Meu tesouro amoroso há muito as
traças
Comeram, secundadas por ladrões.
A luz abandonou as ondas lassas
De refletir um sol que só se põe Sozinho.
Agora vou por meus infernos
Sem fantasma buscar entre fantasmas.
E marcho contra o vento, sobre eternos
Desertos sem retorno, onde olharás
Mas sem o ver, estrela cega, o rastro
Que até aqui deixei, seguindo um astro.
AUTO-RETRATO
O mar reza por mim
Somente sua voz terrível é digna daquele
a quem retorno o mais triste dos homens
embora nunca tenha sido o pródigo
Sou apenas uma pobre criança
pela primeira vez diante de si própria
E que tem medo
As imagens penetram a face intacta
e os ouvidos resistem à sinfonia
nada mudou apenas eu transbordo.
Também há quantos eu não escrevo poemas?
Há miríades de séculos irmão.
25/2/1948
Neste verão sonhado por abutres.
O ano inteiro, o outro ano, e o outro,
Mentidos pela mímica de um bufo,
Contam falsas proezas de funâmbulo.
E os saltos já não podem mais traçar
O mito que exercemos, a parábola.
Partilhando o resgate da beleza
Das nuvens criadoras de uma estrela,
De nada mais que uma. O saltimbanco,
Mirando-se nas poças, rejubila.
E ressoa na flauta de anteontem
O repouso de um pântano...
Raiva no campo aberto onde esta noite
Um profeta estremece no seu túmulo.
Um troféu perigoso, este cavalo
Carregado de infantes couraçados.
O mundo que venci deu-me um amor
Alado galopando em céus irados,
Por cima de qualquer muro de credo,
Por cima de qualquer fosso de sexo.
O mundo que venci deu-me um amor
Amor feito de insulto e pranto e riso,
Amor que força as portas dos infernos,
Amor que galga o cume ao paraíso.
Amor que dorme e treme. Que desperta
E torna contra mim, e me devora
E me rumina em cantos de vitória...
Ninguém veio comprar a preço justo.
Preparei meu castelo para um rei
Que mal me olhou, passando, e a quanto custo.
Comeram, secundadas por ladrões.
A luz abandonou as ondas lassas
De refletir um sol que só se põe Sozinho.
Sem fantasma buscar entre fantasmas.
E marcho contra o vento, sobre eternos
Mas sem o ver, estrela cega, o rastro
Que até aqui deixei, seguindo um astro.
Somente sua voz terrível é digna daquele
a quem retorno o mais triste dos homens
embora nunca tenha sido o pródigo
Sou apenas uma pobre criança
pela primeira vez diante de si própria
E que tem medo
e os ouvidos resistem à sinfonia
nada mudou apenas eu transbordo.
Também há quantos eu não escrevo poemas?
Há miríades de séculos irmão.
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Mário Faustino nasceu a 22 de outubro
de 1930. Jornalista, crítico literário, tradutor e poeta. Publicou um único
livro em vida, O homem e sua hora. Morreu num acidente aéreo a 27 de
outubro de 1930, em Lima, Peru.
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