segunda-feira, 3 de maio de 2010

Três poemas de Paulo Henriques Britto




DUAS BAGATELAS


I
O que conheço de mim
é quase só o que sei,
e o que sei é quase só
o que não quero saber.
Resta saber se isso tudo
é só o começo ou se é o fim
ou - o que é pior que tudo - 
se é tudo.


II
Então viver é isso,
é essa obrigação de ser feliz
a todo custo, mesmo que doa,
de amar alguma coisa, qualquer coisa,
uma causa, um corpo, o papel
em que se escreve,
a mão, a caneta até,
amar até a negação de amar,
mesmo que doa,
então viver é só
esse compromisso com a coisa,
esse contrato, esse cálculo
exato e preciso, esse vício,
só isso.


DOS NOMES

Se tudo que se pode revestir
da couraça inconsútil da palavra
fosse algo mais que um vácuo protegido - 
se atrás de todo nome houvesse sempre
alguma coisa concreta, capaz
de se deixar quebrar - se todo nome
fosse máscara e não rosto, e a coisa
fosse o fogo que há sempre onde há fumaça -
falar seria então sempre dizer,
dar nome à coisa não seria mais
que ver na superfície da semente
a planta por nascer; e a sensação
incômoda de estar a todo instante
em algum lugar - isso seria ser.


MATERIAIS

A utilidade da pedra:
fazer um muro ao redor
do que não dá para amar
nem destruir.

A utilidade do gelo:
apaga tudo que arde
ou pelo menos disfarça.

A utilidade do tempo:
o silêncio.

Paulo Henriques Britto nasceu no Rio de Janeiro a 12 de dezembro de 1951. Tradutor e autor de vários livros de poesia, entre eles Liturgia da matéria – sua obra de estreia –, Mínima lírica, Tarde, Macau, obra com a qual recebeu o Prêmio Portugal Telecom Trovar claro.


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