terça-feira, 22 de junho de 2010

Quatro poemas de Augusto Meyer

 


SANGA FUNDA
 
Vem ver esta sanga funda
com remansos de água clara:
lá embaixo o céu se aprofunda,
a nuvem passa e não pára.
 
Numa cisma vagabunda,
olhando-me cara a cara,
quantas vezes me abismara:
água clara... alma profunda...
 
E que estranho era o meu rosto
no momento em que o sol-posto
punha uns longes na paisagem!
 
Aprendi a ser bem cedo
segredo de algum segredo,
imagem, sombra da imagem...
 
 
SESTEADA
 
Lindo recanto! O biri
amarelo ou encarnado,
cresce à margem do banhado
com touças de sarandi
 
Um maricá, retratado
nas águas, um bem-te-vi,
tudo é sombra e aceno aqui
para o viajante cansado.
 
Procuremos um lugar
onde eu possa descansar
chegando ao povo bem cedo:
 
E, nos pelegos deitado,
ver o móbil rendilhado
que o sol tece no arvoredo.
 
 
Ó DE CASA
 
Ó de casa! vou bradando
desde a cancela fronteira
e um guaipeca na porteira
responde logo ladrando.
 
Morocha conversadeira
me aparece e vai saudando
minha vinda e convidando
para o mate, hospitaleira.
 
Desmonto. De vez em quando
o cachorrinho ainda late
ao meu baio, que retouça.
 
E eu negaceio, gozando
o gosto amargo do mate
e os doces olhos da moça.
 
 
RESSOLANA
 
O mormaço é a fumaça da macega.
Treme o longe diluído na quentura.
O boi desce a recosta em busca da sombra,
        mas pára logo, abombado.
Lá no alto, voando, bebendo o azul,
        subindo sempre — urubu...
Feliz...
 
O calor queima a terra, ferve o ar.
 
(Memória de marulhos,
        gosto de espuma limo areia branca.)
 
A cabeça do alazão é uma chama esbelta
         cortando o campo a trote largo.
Vejo as orelhas agudas que se movem,
          sinto o corpo fremente do cavalo.
 
Há tanta harmonia entre o choque dos cascos
e o meu tronco agitado na vibração febril,
que eu compreendo a glória animal da carreira:
vou!
         enrolando na força do sol.
 
 
Augusto Meyer nasceu em Porto Alegre a 24 de janeiro de 1902. Foi Professor de Literatura e de Teoria da Literatura em Porto Alegre e no Rio de Janeiro, para onde se transfere depois de receber convite do governo federal para organizar o Instituto Nacional do Livro. Escreveu artigos, crítica literária em vários jornais como Correio da Manhã e no Suplemento Literário de O Estado de São Paulo. Exerceu franca atividade literária, como demonstra as mais de duas dezenas de livros publicados em diversos gêneros: na prosa (crônica e ensaio) e na poesia, gênero no qual se destaca situando-se entre os mais importantes nomes da literatura do século XX. Entre os títulos publicados, reconhecidos em 1948 com o Prêmio Machado de Assis, estão: Ilusão querida (1923); Coração verde (1926); Giraluz (1928); Duas orações (1928); Poemas de Bilu (1929); Sorriso interior (1930); Literatura e poesia — poemas em prosa (1931), trabalho reunido pela primeira vez em Poesias (1922-1955) (1957). Morreu no Rio de Janeiro no dia 10 de julho de 1970.
 

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