SANGA FUNDA
Vem ver esta sanga funda
com remansos de água clara:
lá embaixo o céu se aprofunda,
a nuvem passa e não pára.
Numa cisma vagabunda,
olhando-me cara a cara,
quantas vezes me abismara:
água clara... alma profunda...
E que estranho era o meu rosto
no momento em que o sol-posto
punha uns longes na paisagem!
Aprendi a ser bem cedo
segredo de algum segredo,
imagem, sombra da imagem...
SESTEADA
Lindo recanto! O biri
amarelo ou encarnado,
cresce à margem do banhado
com touças de sarandi
Um maricá, retratado
nas águas, um bem-te-vi,
tudo é sombra e aceno aqui
para o viajante cansado.
Procuremos um lugar
onde eu possa descansar
chegando ao povo bem cedo:
E, nos pelegos deitado,
ver o móbil rendilhado
que o sol tece no arvoredo.
Ó DE CASA
Ó de casa! vou bradando
desde a cancela fronteira
e um guaipeca na porteira
responde logo ladrando.
Morocha conversadeira
me aparece e vai saudando
minha vinda e convidando
para o mate, hospitaleira.
Desmonto. De vez em quando
o cachorrinho ainda late
ao meu baio, que retouça.
E eu negaceio, gozando
o gosto amargo do mate
e os doces olhos da moça.
RESSOLANA
O mormaço é a fumaça da macega.
Treme o longe diluído na quentura.
O boi desce a recosta em busca da sombra,
mas pára logo, abombado.
Lá no alto, voando, bebendo o azul,
subindo sempre — urubu...
Feliz...
O calor queima a terra, ferve o
ar.
(Memória de marulhos,
gosto de espuma limo areia branca.)
A cabeça do alazão é uma chama
esbelta
cortando o campo a trote largo.
Vejo as orelhas agudas que se movem,
sinto o corpo fremente do cavalo.
Há tanta harmonia entre o choque
dos cascos
e o meu tronco agitado na vibração febril,
que eu compreendo a glória animal da carreira:
vou!
enrolando na força do sol.
com remansos de água clara:
lá embaixo o céu se aprofunda,
a nuvem passa e não pára.
olhando-me cara a cara,
quantas vezes me abismara:
água clara... alma profunda...
no momento em que o sol-posto
punha uns longes na paisagem!
segredo de algum segredo,
imagem, sombra da imagem...
amarelo ou encarnado,
cresce à margem do banhado
com touças de sarandi
nas águas, um bem-te-vi,
tudo é sombra e aceno aqui
para o viajante cansado.
onde eu possa descansar
chegando ao povo bem cedo:
ver o móbil rendilhado
que o sol tece no arvoredo.
desde a cancela fronteira
e um guaipeca na porteira
responde logo ladrando.
me aparece e vai saudando
minha vinda e convidando
para o mate, hospitaleira.
o cachorrinho ainda late
ao meu baio, que retouça.
o gosto amargo do mate
e os doces olhos da moça.
Treme o longe diluído na quentura.
O boi desce a recosta em busca da sombra,
mas pára logo, abombado.
Lá no alto, voando, bebendo o azul,
subindo sempre — urubu...
Feliz...
gosto de espuma limo areia branca.)
cortando o campo a trote largo.
Vejo as orelhas agudas que se movem,
sinto o corpo fremente do cavalo.
e o meu tronco agitado na vibração febril,
que eu compreendo a glória animal da carreira:
vou!
enrolando na força do sol.
•
Augusto Meyer nasceu em Porto
Alegre a 24 de janeiro de 1902. Foi Professor de Literatura e de Teoria da
Literatura em Porto Alegre e no Rio de Janeiro, para onde se transfere depois
de receber convite do governo federal para organizar o Instituto Nacional do
Livro. Escreveu artigos, crítica literária em vários jornais como Correio da
Manhã e no Suplemento Literário de O Estado de São Paulo. Exerceu franca
atividade literária, como demonstra as mais de duas dezenas de livros publicados
em diversos gêneros: na prosa (crônica e ensaio) e na poesia, gênero no qual se
destaca situando-se entre os mais importantes nomes da literatura do século XX.
Entre os títulos publicados, reconhecidos em 1948 com o Prêmio Machado de Assis,
estão: Ilusão querida (1923); Coração verde (1926); Giraluz
(1928); Duas orações (1928); Poemas de Bilu (1929); Sorriso
interior (1930); Literatura e poesia — poemas em prosa (1931),
trabalho reunido pela primeira vez em Poesias (1922-1955) (1957). Morreu
no Rio de Janeiro no dia 10 de julho de 1970.
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