terça-feira, 15 de junho de 2010

Quatro sonetos de Cláudio Manuel da Costa

 


 
I
 
Leia a posteridade, ó pátrio Rio,
Em meus versos teu nome celebrado,
Por que vejas uma hora despertado
O sono vil do esquecimento frio:
 
Não vês nas tuas margens o sombrio,
Fresco assento de um álamo copado;
Não vês Ninfa cantar, pastar o gado
Na tarde clara do calmoso estio.
 
Turvo banhando as pálidas areias
Nas porções do riquíssimo tesouro
O vasto campo das ambições recreias.
 
Que de seus raios o Planeta louro,
Enriquecendo o influxo em tuas veias,
Quanto em chamas fecunda, brota em ouro.
 
 
II
 
Neste álamo sombrio, aonde a escura
Noite produz a imagem do segredo;
Em que apenas distingue o próprio medo
Do feio assombro a hórrida figura;
 
Aqui, onde não geme, nem murmura
Zéfiro brando em fúnebre arvoredo,
Sentado sobre o tosco de um penedo
Chorava Fido a sua desventura.
 
Às lágrimas a penha enternecida
Um rio fecundou, donde manava
D’ânsia mortal a cópia derretida:
 
A natureza em ambos se mudava;
Abalava-se a penha comovida;
Fido, estátua da dor, se congelava.
 
 
III
 
Ai Nise Amada! Se este meu tormento,
Se este meus sentidíssimos gemidos
La no teu peito, lá nos teus ouvidos
Achar pudessem brando acolhimento;
 
Como alegre em servir-te, como atento
Meus votos tributara agradecidos!
Por séculos de males bem sofridos
Trocara todo o meu contentamento.
 
Mas se na incontrastável pedra dura
De seu rigor não há correspondência
Para os doces afetos de ternura;
 
Cesse de meus suspiros a veemência;
Que é fazer mais soberba a formosura
Adorar o rigor da resistência.
 
 
IV
 
Torno a ver-nos, ó montes; o destino
Aqui me torna a pôr nestes oiteiros;
Onde um tempo os gabões deixei grosseiros
Pelo traje da Corte rico, e fino.
 
Aqui estou entre Almendro, entre Corino,
Os meus fieis, meus doces companheiros,
Vendo correr os míseros vaqueiros
Atrás de seu cansado desatino.
 
Se o bem desta choupana pode tanto,
Que chega a ter mais preço, e mais valia,
Que da cidade o lisonjeiro encanto;
 
Aqui descanse a louca fantasia;
E o que té agora se tornava em pranto,
Se converta em afetos de alegria.
 
 
Cláudio Manuel da Costa nasceu a 5 de junho de 1729 na zona rural da cidade de Mariana, Minas Gerais. Iniciou seus primeiros estudos em Vila Rica, Ouro Preto; depois seguiu para o Colégio dos Jesuítas no Rio de Janeiro e daí para Coimbra, onde se forma em Direito. No regresso ao Brasil se instala em Vila Rica e divide-se nas atividades da advocacia, da administração e da agricultura. Entre um e outro ofício dedica-se também à literatura, ofício que principia ainda nos tempos de Portugal com a publicação de seus primeiros poemas nos opúsculos Munúsculo métrico, Labirinto de amor e um Epicédio consagrado à memória de Frei Gaspar da Encarnação. São textos marcados pela forma do barroco seiscentista. Mais adiante adota os protocolos da Arcádia Lusitana; boa parte do escreveu a partir de então foi reunido em Obras, de 1768. Ainda tentou compor o ambicioso poema épico Vila Rica, versão só dada a conhecer postumamente, em 1839. Cláudio Manuel suicidou-se a 4 de julho de 1789, na cela onde estava preso para o interrogatório no caso da Inconfidência.

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