O ACRE
Na ambição de
encontrar mais borracha e mais ganho
de enricar mais depressa,
a
gente deixou atrás Manaus e o Rio Negro...
Foi-se trepando pela correnteza
na procura ansiosa do ouro elástico,
na procura ansiosa do ouro elástico,
ver se cumpria o eterno fado dos êxodos:
a fuga, a luta, o
ganho e — coroando tudo —
a volta triunfante e endinheirada.
Lá acima, muito acima
— já longe dos rios
das icamiabas guerreiras —,
tinha uma terra salubre,
onde a borracha corria
livre nas veias da seringueira
sem saber de tigela e machadinha.
Os cearenses, aí, botaram a mochila no chão
e ficaram trabalhando.
Depois, eles, que
chegaram sozinhos, desamparados,
acharam umas índias bonitas
que chamavam todo o mundo de usted...
E elas trataram deles,
quando veio o beribéri,
e lhes deram muitos
filhos entroncados e viçosos,
que enchiam os
barracões de algazarra e de alegria.
E eles foram querendo
bem àquela terra,
tão rica, tão sem dono,
que dava tanto
dinheiro e tanta felicidade...
Mas lá vem o ditado
"Tudo no mundo se
acaba,
tudo no mundo tem fim"..
.
E um belo dia
apareceu o dono...
"—Vá-se embora,
cearense, vá-se embora!
Você veio desbravar
este buraco de mundo
pra meu proveito e meu gozo!...
A borracha, que lhe
deve tanta noite mal dormida,
sou eu que quero vender!
Eu nunca abri estrada na
seringa
e agora vou
andar nas que você abriu...
A barraca que você levantou quando brabo
— ai! A tristeza do
brabo que soluça de saudade, olhando o rio correr! —,
pois também sua barraca, filha da sua saudade,
eu quero tomar pra mim...
Eu nunca fazia nada,
porque tinha medo dos
bichos que rodeiam os barracões;
você aceirou em redor,
demarcou os seringais,
e agora os bichos se
amoitam com receio do seu rifle,
com medo do seu terçado.
Vá! Volte pra sua
terra! Volta pior do que veio...
numa proa de navio,
tão magro, tão empambado!
Chegando lá, que é que acha?
A ramada
do roçado, já queimaram nas coivaras;
sua barraca de taipa, o tempo já derrubou...
E sua criaçãozinha?
Mas você não comeu toda,
quando o legume faltou?...
Lá mesmo na sua terra,
quem se lembra de você?
" — Aquele foi
embarcado... morreu ou ficou por lá... "
Vá! Só leve a sezão
que apanhou por aqui
e a saudade de sua cunhã acreana,
dos seus curumins caboclos,
que eu também tomo pra mim..."
A resposta, qual seria?
Insolente e audacioso,
mostrou-lhe a ponta da língua,
mostrou-lhe a ponta da faca...
E, na luta pela terra,
o cearense fez mais um pouco
que tudo aquilo que os livros contam
na grande lista dos heroísmos...
Ah! O horror das trincheiras parecidas
a sepulturas
encarrilhadas num zigue-zague macabro!...
Nos matagais doentios, onde as maleitas
têm casa
e devoram mais vidas do
que as balas,
nos combates lá no rio, na casca frágil das
montarias,
e que sempre acabavam
em festim de jacarés...
Pobre dono escorraçado! Chorava de fazer dó!...
E o barão do Rio Branco teve pena
e deu-lhe, pra consolo, um bocado de libras esterlinas...
e ele agarrou no dinheiro
e foi brincar de cara ou coroa...
GEOMETRIA DOS VENTOS
Eis que temos aqui a Poesia,
a grande Poesia.
Que não oferece signos
nem linguagem específica, não respeita
sequer os limites do idioma. Ela flui, como um rio.
como o sangue nas artérias,
tão espontânea que nem se sabe como foi escrita.
E ao mesmo tempo tão elaborada -
feito uma flor na sua perfeição minuciosa,
um cristal que se arranca da terra
já dentro da geometria impecável
da sua lapidação.
Onde se conta uma história,
onde se vive um delírio; onde a condição humana exacerba,
até à fronteira da loucura,
junto com Vincent e os seus girassóis de fogo,
à sombra de Eva Braun, envolta no mistério ao
mesmo tempo
fácil e insolúvel da sua tragédia.
Sim, é o encontro com a Poesia.
* Poema publicado no Jornal de Poesia. Arquivo de Álvaro Pacheco.
Eis que temos aqui a Poesia,
a grande Poesia.
Que não oferece signos
nem linguagem específica, não respeita
sequer os limites do idioma. Ela flui, como um rio.
como o sangue nas artérias,
tão espontânea que nem se sabe como foi escrita.
E ao mesmo tempo tão elaborada -
feito uma flor na sua perfeição minuciosa,
um cristal que se arranca da terra
já dentro da geometria impecável
da sua lapidação.
Onde se conta uma história,
onde se vive um delírio; onde a condição humana exacerba,
até à fronteira da loucura,
junto com Vincent e os seus girassóis de fogo,
à sombra de Eva Braun, envolta no mistério ao
mesmo tempo
fácil e insolúvel da sua tragédia.
Sim, é o encontro com a Poesia.
* Poema publicado no Jornal de Poesia. Arquivo de Álvaro Pacheco.
TELHA DE VIDRO
Quando a moça da cidade chegou
veio morar na fazenda,
na casa velha...
Tão velha!
Quem fez aquela casa foi o bisavô...
Deram-lhe para dormir a camarinha,
uma alcova sem luzes, tão escura!
mergulhada na tristura
de sua treva e de sua única portinha...
A moça não disse nada,
mas mandou buscar na cidade
uma telha de vidro...
Queria que ficasse iluminada
sua camarinha sem claridade...
Agora,
o quarto onde ela mora
é o quarto mais alegre da fazenda,
tão claro que, ao meio dia, aparece uma
renda de arabesco de sol nos ladrilhos
vermelhos,
que — coitados — tão velhos
só hoje é que conhecem a luz doa dia...
A luz branca e fria
também se mete às vezes pelo clarão
da telha milagrosa...
Ou alguma estrela audaciosa
careteia
no espelho onde a moça se penteia.
Que linda camarinha! Era tão feia!
— Você me disse um dia
que sua vida era toda escuridão
cinzenta,
fria,
sem um luar, sem um clarão...
Por que você na experimenta?
A moça foi tão vem sucedida...
Ponha uma telha de vidro em sua vida!
* Poema publicado no Jornal de Poesia.
Quando a moça da cidade chegou
veio morar na fazenda,
na casa velha...
Tão velha!
Quem fez aquela casa foi o bisavô...
Deram-lhe para dormir a camarinha,
uma alcova sem luzes, tão escura!
mergulhada na tristura
de sua treva e de sua única portinha...
A moça não disse nada,
mas mandou buscar na cidade
uma telha de vidro...
Queria que ficasse iluminada
sua camarinha sem claridade...
Agora,
o quarto onde ela mora
é o quarto mais alegre da fazenda,
tão claro que, ao meio dia, aparece uma
renda de arabesco de sol nos ladrilhos
vermelhos,
que — coitados — tão velhos
só hoje é que conhecem a luz doa dia...
A luz branca e fria
também se mete às vezes pelo clarão
da telha milagrosa...
Ou alguma estrela audaciosa
careteia
no espelho onde a moça se penteia.
Que linda camarinha! Era tão feia!
— Você me disse um dia
que sua vida era toda escuridão
cinzenta,
fria,
sem um luar, sem um clarão...
Por que você na experimenta?
A moça foi tão vem sucedida...
Ponha uma telha de vidro em sua vida!
* Poema publicado no Jornal de Poesia.
•
Rachel de
Queiroz nasceu em 17 de novembro de 1910 em Fortaleza. Quando jovem a família
mudou-se para Quixadá, onde a escritora viveu boa parte de sua vida. Traduziu,
escreveu para imprensa e romances importantes para a literatura brasileira, como
O Quinze e Memorial de Maria Moura. Foi a primeira mulher a integrar a Academia
Brasileira de Letras. Sua obra poética é esparsa e cobre os anos iniciais de
sua escrita; deixou um inédito, Mandacaru,
publicado postumamente, em 2010, pelo Instituto Moreira Salles e outra parte da
sua poesia foi reunida por Ana Miranda na antologia Serenata (2010).
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