sábado, 26 de maio de 2012

Caminho



I

Tenho sonhos cruéis; n'alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente...

Saudades desta dor que em vão procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum véu escuro!...

Porque a dor, esta falta d'harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o céu d'agora,

Sem ela o coração é quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque só é madrugada quando chora.


II


Encontraste-me um dia no caminho
Em procura de quê, nem eu o sei.
- Bom dia, companheiro - te saudei,
Que a joranda é maior indo sozinho.

É longe, é muito longe, hámuito espinho!
Paraste a repousar, eu descansei...
Na venda em que poisaste, onde poisei,
Bebemos cada um do mesmo vinho.

É no monte escabroso, solitário.
Corta os pés com a rocha dum calvário,
E queima como a areia!...Foi no entanto

Que chorávamos a dor de cada um...
E o vinho em que choraste era comum:
Tivemos que beber do mesmo pranto.


III


Fez-nos bem, muito bem, esta demora:
Enrijou a coragem fatigada...
Eis os nossos bordões da caminhada,
Vai já rompendo o sol: vamos embora.

Este vinho, mais virgem do que a aurora,
Tão virgem não o temos na jornada...
Enchamos as cabaças: pela estrada,
Daqui inda este néctar avigora!...

Cada um por seu lado!...Eu vou sozinho,
Eu quero arrostar só todo o caminho,
Eu posso resistir à grande calma!...

Deixa-me chorar mais e beber mais,
Perseguir doidamente os meus ideais,
E ter fé e sonhar - encher a alma.