Exílio
a Raúl
Gustavo Aguirre
Esta mania
de me saber anjo,
sem idade,
sem morte
para a qual viver,
sem piedade
por meu nome
nem por meus
ossos que choram vagando
E quem não tem um amor?
Sinistro
delírio amar uma sombra.
E quem não
goza por entre amapolas?
E quem não
possui um fogo, uma morte,
um medo,
algo horrível,
ainda que
fira com plumas,
ainda que
fira com sorrisos?
A sombra não
morre.
E meu amor
só abraça ao
que flui
como lava do
inferno:
una loja
calada,
fantasmas em
doce ereção,
sacerdotes
de espuma,
e sobretudo
anjos,
anjos belos
como lâminas
que se
elevam na noite
e devastam a
esperança.
Tradução de
Antonio Miranda
Caminhos do
espelho
I
E sobretudo
olhar com inocência. Como se não se passasse nada, o que é certo.
II
Mas a ti
quero olhar-te até que o teu rosto se afaste do meu medo, como um pássaro do
limite afiado da noite.
III
Como uma
menina de giz cor-de-rosa num muro muito velho subitamente apagada pela chuva.
IV
Como quando
se abre uma flor e revela o coração que não tem.
V
Todos os
gestos do meu corpo e voz para fazer de mim a oferenda, o ramo que o vento
abandona na soleira.
VI
Cobre a
memória da tua cara com a máscara daquela que serás e assusta a menina que
foste.
VII
A noite dos
dois dispersou-se com a neblina. É a estação dos alimentos frios.
VIII
E a sede, a
minha memória é da sede, eu em baixo, no fundo, no poço, eu bebia, recordo.
IX
Cair como um
animal ferido no lugar que seria de revelações.
X
Como quem
não quer a coisa. Nenhuma coisa. Boca cosida. Pálpebras cosidas. Esqueci-me. Lá
dentro o vento. Tudo fechado e o vento lá dentro.
XI
Sob o negro
sol do silêncio douravam-se as palavras.
XII
Mas o
silêncio é certo. Por isso escrevo. Estou só e escrevo. Não, não estou só. Há
aqui alguém que treme.
XIII
Ainda que
diga sol e lua e estrelas refiro-me a coisas que me acontecem. E o que desejava
eu? Desejava um silêncio perfeito.
Por isso
falo.
XIV
A noite tem
a forma de um grito de lobo.
XV
Delícia de
perder-se na imagem pressentida. Levantei-me do meu cadáver, fui à procura de
quem sou. Peregrina de mim, fui até àquela que dorme num país ao vento.
XVI
Minha queda
sem fim minha queda sem fim onde ninguém me esperou pois ao olhar para quem me
esperava outra não vi senão a mim mesma.
XVII
Algo caía no
silêncio. A minha última palavra foi eu,embora me referisse à aurora luminosa.
XVIII
Flores
amarelas constelam um círculo de terra azul. A água treme cheia de vento.
XIX
Deslumbramento
do dia, pássaros amarelos na manhã. Uma mão desata as trevas, arrasta a
cabeleira de uma afogada que não pára de caminhar pelo espelho. Voltar à
memória do corpo, hei-de regressar aos meus ossos de luto, hei-de compreender o
que diz a minha voz.
Tradução
Maria Sousa
•
Alejandra
Pizarnik nasceu no dia 29 de abril de 1936, em Avellaneda, cidade da
região metropolitana de Buenos Aires. Seu primeiro livro de poemas, La tierra más
ajena, foi publicado em 1955 e assinado como Flora Alejandra Pizarnik. Em
seguida vieram La última inocencia, de 1956, e Las aventuras
perdidas, de 1958. Estudou filosofia, letras e jornalismo, porém sem concluir
os estudos universitários. Em 1960, mudou-se para Paris, onde viveu durante
quatro anos e travou amizades com os escritores Julio Cortázar e Octavio Paz,
tendo este último escrito o prólogo de seu livro seguinte, Árbol de
Diana, de 1962. Em 1965, após seu retorno à Argentina, publica Los
trabajos y las noches. Seus livros seguintes são Extracción de la Piedra
de Locura, de 1968, e El Infierno Musical, de 1971. Em 1972, aos 36 anos,
Pizarnik morre após ingerir uma quantidade letal de barbitúricos, deixando
escrito na lousa de seu apartamento: "Não quero ir/ nada mais/ que até o
fundo."