José Tolentino de Mendonça |
Isto é o meu corpo
O corpo tem degraus,
todos eles inclinados
milhares de lembranças do que lhe aconteceu
tem filiação, geometria
um desabamento que começa do avesso
e formas que ninguém ouve
milhares de lembranças do que lhe aconteceu
tem filiação, geometria
um desabamento que começa do avesso
e formas que ninguém ouve
O corpo nunca é o mesmo
ainda quando se repete:
de onde vem este braço que toca no outro,
de onde vêm estas pernas entrelaçadas
como alcanço este pé que coloco adiante?
ainda quando se repete:
de onde vem este braço que toca no outro,
de onde vêm estas pernas entrelaçadas
como alcanço este pé que coloco adiante?
Não aprendo com o corpo a
levantar-me,
aprendo a cair e a perguntar
aprendo a cair e a perguntar
Dentro de casa
Todas as casas se parecem
com um naufrágio ou um saque
testam sucessivamente a elasticidade das gerações
compõem-se de heranças, jogos descasados,
cinco ou seis cores que vão ficando
sinais de um poder apenas atenuado
com um naufrágio ou um saque
testam sucessivamente a elasticidade das gerações
compõem-se de heranças, jogos descasados,
cinco ou seis cores que vão ficando
sinais de um poder apenas atenuado
Quando estamos fora
à mercê dos elementos
o mundo celebra em nós
aquilo que se extingue
à mercê dos elementos
o mundo celebra em nós
aquilo que se extingue
A ciência do amor
O amor é um acordo que
nos escapa
premissas traficadas sem certeza noite fora
em casas devolutas, em temporais, em corpos que não o nosso
aluviões para tentar de forma contínua
num sofrimento corrosivo que ninguém consegue
não chamar também de alegria
premissas traficadas sem certeza noite fora
em casas devolutas, em temporais, em corpos que não o nosso
aluviões para tentar de forma contínua
num sofrimento corrosivo que ninguém consegue
não chamar também de alegria
Pensamos que quando
chegasse as nossas vidas acelerariam
mas nem sempre é assim:
há emoções que nos aceleram
outras que nos abrandam
mas nem sempre é assim:
há emoções que nos aceleram
outras que nos abrandam
Um mês ou um século mais
tarde
movem-se ainda,
tão subtilmente que não se notam
movem-se ainda,
tão subtilmente que não se notam
De Estação Central. Lisboa: Assírio &
Alvim, 2012
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