VIDA, VIDA
Não acredito em pressentimentos, e augúrios
Não me amedrontam. Não fujo da calúnia
Nem do veneno. Não há morte na Terra.
Todos são imortais. Tudo é imortal. Não há por que
Ter medo da morte aos dezessete
Ou mesmo aos setenta. Realidade e luz
Existem, mas morte e trevas, não.
Estamos agora todos na praia,
E eu sou um dos que içam as redes
Quando um cardume de imortalidade nelas entra.
Vive na casa e a casa continua de pé
Vou aparecer em qualquer século
Entrar e fazer uma casa para mim
É por isso que teus filhos estão ao meu lado
E as tuas esposas, todos sentados em uma mesa,
Uma mesa para o avô e o neto
O futuro é consumado aqui e agora
E se eu erguer levemente minha mão diante de ti,
Ficarás com cinco feixes de luz
Com omoplatas como esteios de madeira
Eu ergui todos os dias que fizeram o passado
Com uma cadeia de agrimensor, eu medi o tempo
E viajei através dele como se viajasse pelos Urais
Escolhi uma era que estivesse à minha altura
Rumamos para o sul, fizemos a poeira rodopiar na estepe
Ervaçais cresciam viçosos; um gafanhoto tocava,
Esfregando as pernas, profetizava
E contou-me, como um monge, que eu pereceria
Peguei meu destino e amarrei-o na minha sela;
E agora que cheguei ao futuro ficarei
Ereto sobre meus estribos como um garoto.
Só preciso da imortalidade
Para que meu sangue continue a fluir de era para era
Eu prontamente trocaria a vida
Por um lugar seguro e quente
Se a agulha veloz da vida
Não me puxasse pelo mundo como uma linha.
* Tradução de Jefferson Luiz Camargo.
O VERÃO PARTIU
O verão
partiu
e nunca
devia ter vindo
será quente
o sol
mas não pode
ser só isto
tudo veio
para partir
nas minhas
mãos tudo caiu
corola de
cinco pétalas
mas não pode
ser só isto
nenhum mal
se perdeu
nenhum bem
foi em vão
à luz clara
tudo arde
mas não pode
ser só isto
agarra-me a
vida
sob a sua
asa intacto
sempre a
sorte do meu lado
mas não pode
ser só isto
nem uma
folha se consumiu
nem uma vara
quebrada
vidro
límpido é o dia
mas não pode
ser só isto
EURÍDICE
Temos um só
corpo
singular,
solitário
a alma teve
que baste
ali dentro
fechada
caixa com
olhos e orelhas
do tamanho
de um botão
e a pele –
costura após costura –
cobrindo a
estrutura óssea
sai da
córnea voando
para o
cálice celeste
para o
gelado raio
da roda
voadora das aves
e escuta
pelas grades
da sua cela
viva
o crepitar
do bosque e da seara
e a trombeta
dos sete mares
corpo sem
alma é pecado
é um corpo
sem camisa
nada feito
sem intenção
sem
inspiração, nenhuma linha
insolúvel
charada:
quem no fim
irá voltar
à pista de
dança quando
ninguém
houver para dançar?
sonhei com
uma alma outra
de um modo
outro vestida:
ardia na
fuga
da timidez à
esperança
espirituosa
e límpida
como o fogo
habita a terra
sobre a mesa
pondo lilases
para que
lembrada seja
corre,
criança, não pares
pela pobre
Eurídice
rola o arco
e a gancheta
no mundo
roda
até subires
uma oitava
no tom
alegre, e calma
porque a
cada passo a terra
faz soar
guizos nos teus ouvidos
* Traduções de Paulo da Costa Domingos, publicada na revista escamandro.
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