DESMEMÓRIA
1
Dissolução da memória
como neve
num
vaso d’água
A imagem que se esfuma,
o calor que existiu
no leito vazio.
Invalidez.
Não há
consolo em olhar
a foto desfeita,
tudo
se esquece,
tudo
fica para trás.
2
Desmemória que chega
pelas margens.
Datas, lugares, nomes,
apagados sem piedade.
Pedra jogada,
relvado do esquecimento.
Bagagem de luz
afrontarás o abismo,
sombra de ti mesmo
no ponto final.
3
Contempla no espelho
um corpo que não é seu.
Ser antropomorfo,
deambulou erguido
no tempo já remoto.
A vida o venceu.
Envolto em si mesmo
assiste sem memória
a sua consumação.
4
Feliz o que se morre
sem saber que se morre.
Privilégio dos ancestrais
sem rituais funerários
nem ficções de dor.
Se está e já não está.
Ascendentes e prole
não sofrem da ausência.
Placidez envolta,
ar limpo de voo.
Ser tartaruga ou cegonha.
5
Contempla-me um gato
com olhos de aristocrata inglês.
Que espera de mim?
Por que tanta fixação?
Por que tanta fixação?
Há uma censura muda
a uma maldade que escondo?
É um convite
a expiar uma pena?
O gato não é um gato.
É minha alma e minha consciência
CINZAS
1
Cinzas
já sem brasa alguma.
Tudo consumado.
Nada é a chama
que acendeu,
o ardor que dá vida
à voz e à imagem.
Tudo se extingue
e dissipa
a embriaguez do instante
2
Ao admirar teu corpo,
de membros rijos e vigorosos,
lamento minha degenerescência
na ficção do tempo.
Impossível recolher-se
ao peito hirsuto
e ao vigor de teus braços.
O abismo de um século nos separa.
Mas tua apagada imagem,
ao fio dos anos,
desafia
o efêmero mesquinho
e me concede,
dono do espelhismo,
tua plenitude recobrada.
* Traduções de Pedro Fernandes
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