segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Dois poemas de Moya Cannon


ONTEM EU ESTAVA ESCUTANDO NO IPOD

o concerto de violoncelo de Vivaldi –
então não ouvi o helicóptero pousar
lá em baixo no pátio do hospital
nem os vi transportando duas macas.

Duas horas antes, uma mulher jovem,
com metade da minha idade,
tinha caído no Atlântico com seu filho.
Uma queda longa, longa, do topo do penhasco –
em um acidente de carro o capô amassa tão devagar –
será que o tempo desacelerou para eles
enquanto despencavam para além das camadas de calcário,
camadas de xisto argiloso,
camadas de tempo da terra?

Pergunto-me que terrores a fustigaram,
se eles clamaram, aos gritos, à  terra que sumia,
se ela o segurou em seus braços,
ou pela mão,
e me pergunto se
algum anjo de asas fortes
os agarrou, a ambos, pelo pulso
quando entraram na água na base do penhasco,
se havia luz e música
a esperá-los –

e, se não havia, me pergunto
se a música de Vivaldi pode ser
uma ponte luminosa para lugar nenhum;
ou se todos nós podemos estar
despencando pelo longo penhasco do tempo,
cada um de nós sozinho,
com todos os nossos medos nos braços.


PEDRA DA ÁGUIA

Predadores e carniceiros ainda fazem ninhos aqui,
falcões e este casal de corvos
que ouvi assim que cheguei ao dólmen
e notei um crânio estreito entre as pedras.

Aqui, mais a leste no penhasco,
as pontas de suas asas tocam a rocha abaixo de mim,
e saem,
e tocam de novo.

Negros como seda, conhecem sua área delimitada do céu.
Circulam uma vez
e uma vez
e uma vez
e uma vez mais e planam ao longe
a varrer seu território de colinas cinza brilhante.

Há recortes verdes lá embaixo,
cheios de poços e de gado,
e lugares mais altos, onde o calcário, fértil,
sepultado, irrompe em córregos e gencianas.

Predadores fizeram ninho aqui no fim do inverno,
num vaivém contra esse paredão –
a soberba emplumada contra a pedra –
tempo o bastante para dar nome a ela.

Um dia Columbano, o santo da pomba,
viveu sob este penhasco,
deixou-nos sua capela, seu poço,
e o túmulo de seu criado.

As águias são caçadas, mortas,
mas embaixo entre os arbustos e sob as aveleiras
a presa deste verão já se contorce
para fora dos ovos perfeitos.

Moya Cannon nasceu em Dunfanaghy, no condado de Donegal, em 1956. Em Dublin, graduou-se em História e Política e, em Cambridge, obteve um Mestrado em Relações Internacionais. Dentre os livros publicados, destacam-se cinco coletâneas de poesia: Oar (1990); The Parchment Boat (1997); Carrying the Songs (2007); Hands (2011) e Keats Lives (2015). 

* As traduções aqui apresentadas são de Luci Collin e publicadas pela primeira vez na Revista Qorpus.



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