ONTEM EU ESTAVA ESCUTANDO NO IPOD
o concerto
de violoncelo de Vivaldi –
então não
ouvi o helicóptero pousar
lá em baixo
no pátio do hospital
nem os vi
transportando duas macas.
Duas horas
antes, uma mulher jovem,
com metade
da minha idade,
tinha caído
no Atlântico com seu filho.
Uma queda
longa, longa, do topo do penhasco –
em um
acidente de carro o capô amassa tão devagar –
será que o
tempo desacelerou para eles
enquanto
despencavam para além das camadas de calcário,
camadas de
xisto argiloso,
camadas de
tempo da terra?
Pergunto-me
que terrores a fustigaram,
se eles clamaram,
aos gritos, à terra que sumia,
se ela o
segurou em seus braços,
ou pela mão,
e me
pergunto se
algum anjo
de asas fortes
os agarrou,
a ambos, pelo pulso
quando
entraram na água na base do penhasco,
se havia luz
e música
a esperá-los
–
e, se não
havia, me pergunto
se a música
de Vivaldi pode ser
uma ponte
luminosa para lugar nenhum;
ou se todos
nós podemos estar
despencando
pelo longo penhasco do tempo,
cada um de
nós sozinho,
com todos os
nossos medos nos braços.
PEDRA DA ÁGUIA
Predadores e
carniceiros ainda fazem ninhos aqui,
falcões e
este casal de corvos
que ouvi
assim que cheguei ao dólmen
e notei um
crânio estreito entre as pedras.
Aqui, mais a
leste no penhasco,
as pontas de
suas asas tocam a rocha abaixo de mim,
e saem,
e tocam de
novo.
Negros como
seda, conhecem sua área delimitada do céu.
Circulam uma
vez
e uma vez
e uma vez
e uma vez
mais e planam ao longe
a varrer seu
território de colinas cinza brilhante.
Há recortes
verdes lá embaixo,
cheios de
poços e de gado,
e lugares
mais altos, onde o calcário, fértil,
sepultado,
irrompe em córregos e gencianas.
Predadores
fizeram ninho aqui no fim do inverno,
num vaivém
contra esse paredão –
a soberba
emplumada contra a pedra –
tempo o
bastante para dar nome a ela.
Um dia
Columbano, o santo da pomba,
viveu sob
este penhasco,
deixou-nos
sua capela, seu poço,
e o túmulo
de seu criado.
As águias
são caçadas, mortas,
mas embaixo
entre os arbustos e sob as aveleiras
a presa
deste verão já se contorce
para fora
dos ovos perfeitos.
•
Moya Cannon nasceu em Dunfanaghy, no condado de Donegal, em
1956. Em Dublin, graduou-se em História e Política e, em Cambridge, obteve um Mestrado em Relações Internacionais. Dentre os livros publicados, destacam-se cinco coletâneas de poesia: Oar (1990); The
Parchment Boat (1997); Carrying the
Songs (2007); Hands (2011) e Keats Lives (2015).
* As traduções aqui apresentadas são de Luci Collin e publicadas pela primeira vez na Revista Qorpus.
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