segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Uma "laudi" de Jacopone Da Todi

     

       Ó doce amor,        assassino do Amor,
peço que me mates de amor.
       Amor, eis aí levado       teu enamorado
a tão duro morrer;
por que o fizeste,        por que não quiseste
que eu devesse perecer?
Não hás de me esquecer,        não hás de querer
que eu morra nos braços do Amor.
       Se não perdoaste       a quem tanto amaste,
como a mim vais perdoar?
É sinal que sou amado,       se por ti eu sou fisgado
e como um peixe não posso escapar.
Não me deves perdoar,       está em meu amar
que eu morra sufocado de amor.
       O Amor, ei-lo que pende,       a cruz o prende
e não o deixa partir.
À cruz vou correndo      e a ela me prendo,
para a perda prevenir;
porque o fugir       faria eu me consumir,
faria eu não ser inscrito no amor.
       Ó cruz, eu estou aqui,      firme junto a ti:
que eu prove morrendo dessa vida
que é teu adorno e troféu,       ó morte de mel;
triste de mim a quem não foste concedida!
Ó Alma assim decidida,       sequiosa da ferida,
que eu morra flagelado de amor.
       À cruz vou correndo,      no lenho vou lendo,
no livro que é, ensaguentado:
pois tal escritura      me faz em natura
e'm filosofia cultivado.
Ó livro sagrado,      por dentro és dourado
e todo florido de amor!
       Ó amor de cordeiro,      maior que o mar inteiro,
quem te dizer poderia?
Quem tivesses afogado,      onde embaixo, onde de lado,
como saberia?
Mas louco se fia      que é reta a via
seguir enlouquecido de amor.


Jacoponi Da Todi nasceu em 1230 (aproximadamente) e morreu em Collazzone em 1306. É um dos nomes mais notáveis da poesia italiana do século XIII e um dos mais famosos entre os criadores das Laudi. Estudado e apreciado por leitores como Erich Auerbach, Giuseppi Ungaretti e Otto Maria Carpeaux, o franciscano Da Todi escreveu cerca de 90 Laudi como esta apresentada aqui. 

* Tradução de Marcelo Paiva de Souza.

Nenhum comentário:

Postar um comentário