segunda-feira, 4 de março de 2019

Dois poemas de Tahar Ben Jelloun




Sou um menino que zomba da inocência

Fui nutrido com o leite da esfinge
e cedo carreguei uma aranha no fígado em voz baixa

Gerei a cidade das trevas humilhadas
e voltado para mim mesmo
serpente sem cabeça, fiel ao sol

Provoquei o astro obsceno do mestre e do Imã
e o maculei de sangue no pátio dos milagres
o astro das areias que se apagou pela manhã
e me deparei com o Livro ao contrário

Tomei o trem para fomentar as turvações na água
                                                                                                   estagnada
do sono ancestral
sacudi os carvalhos
e vi a morte rir escondido diante do espetáculo das cabeças
que caíam

Minha voz rompida parava no esboço desesperado da ausência
palavra anulada
quando nossas mães nos carregavam nas costas
nos campos
e até o cemitério
nossas mães resignadas procuravam em nós a infância

Nus em nossa escuridão
fazíamos buracos no asfalto
até o dia em que o tempo parou na ponta do nosso despertar.

*

Branca a ausência
qual morte longínqua
nesse dia em que o astro do esquecimento
pousará sobre a erva molhada de uma memória envelhecida

Eu te vejo cantada pelas manhãs
meninos nascidos das areias

E o pássaro me diz
ela é a sílaba a pronunciar suavemente
entre um pensamento e um riso
e se o olhar se ausenta
deixa-te tomar entre os dedos do sol
vai dependurar o sonho nas tranças da noite
e recolhe as estrelas que não são mais do céu
segura a mão fértil quando pensares na cidadela deste corpo
frágil

Eclipse
e
silêncio
das pedras atormentadas

Tahar Ben Jelloun nasceu a 1º de dezembro de 1946 em Fez. Um dos fundadores do movimento Souffles, sua obra está circunscrita na prosa e na poesia. Com La nuit secrée ganhou o prestigiado Prêmio Goncourt em 1987.

* Tradução de Cláudia Falluh Balduino Ferreira.

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