segunda-feira, 11 de março de 2019

Três poemas de Joaquim Cardozo



POEMA DO AMOR SEM EXAGERO

Eu não te quero aqui por muitos anos
Nem por muitos meses ou semanas,
Nem mesmo desejo que passes no meu leito
As horas extensas de uma noite.
Para que tanto Corpo!
Mas ficaria contente se me desses
Por instantes apenas e bastantes
A nudez longínqua e de pérola
Do teu corpo de nuvem.


O RELÓGIO

Quem é que sobe as escadas
Batendo o liso degrau?
Marcando o surdo compasso
Com uma perna de pau?

Quem é que tosse baixinho
Na penumbra da antessala?
Por que resmunga sozinho?
Por que não cospe e não fala?

Por que dois vermes sombrios
Passando na face morta?
E o mesmo sopro contínuo
Na frincha daquela porta?

Da velha parede triste
No musgo roçar macio:
São horas leves e tenras
Nascendo do solo frio.

Um punhal feriu o espaço...
E o alvo sangue a gotejar;
Deste sangue os meus cabelos
Pela vida hão de sangrar.

Todos os grilos calaram
Só o silêncio assobia;
Parece que o tempo passa
Com sua capa vazia.

O tempo enfim cristaliza
Em dimensão natural;
Mas há demônios que arpejam
Na aresta do seu cristal.

No tempo pulverizado
Há cinza também da morte:
Estão serrando no escuro
As tábuas da minha sorte.


ALUCINAÇÃO EM BRANCO

Nessas barracas em branco
Quem misteriosamente teria se escondido?
São barracas de campanha,
ou de passar todo o verão no campo.

Lembram também cordas de mastros
Dos quais as velas se ausentaram.
Pois as velas voaram enfunadas e suspensas
No ar, que é – sonho das asas –
Todo o branco do contorno,
Navegam em limpas atmosferas.

São panos estendidos ao sol
Para secar, no quintal de alguma casa;
Grandes lençóis ondulantes
Ao vento que vem e vai,
Ao vento que não para de agitá-los.

Há um jogo de pontas nesses mastros,
Pontas dirigidas em todos os sentidos.
E as linhas e as sobre-linhas,
Se orientam como se fosse possível
Substituir definitivamente,
Todo o branco do papel.

Joaquim Cardozo nasceu no dia 26 de agosto de 1897 em Recife. Formado em Engenharia e dedicado à profissão nunca deixou a literatura, exercida entre a prosa e a poesia. Seu primeiro livro, Poemas, foi publicado em 1947 com prefácio de Carlos Drummond de Andrade. Depois, publicou mais de uma década de títulos. Cardozo morreu em 4 de novembro de 1978, em Olinda.

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