Houve em tempos
um rapaz.
Ele vinha brincar
no meu jardim;
Era bastante
pálido e calado.
Mas, quando sorria,
eu sabia tudo sobre ele,
Sabia o que trazia
nos bolsos,
E sabia o toque
das suas mãos nas minhas mãos
E as inflexões
mais íntimas da sua voz.
Levei-o por
todos os caminhos secretos,
Para lhe mostrar
o esconderijo dos meus tesouros.
Deixei-o brincar
com eles, cada um deles,
Fechei os meus
pensamentos melodiosos numa gaiolinha de prata
E dei-lhos, para
que os guardasse…
O jardim era
muito escuro
Mas nunca suficientemente
escuro para nós. Atravessávamos em bicos de pés as [sombras mais profundas;
Banhávamo-nos
nos remansos de obscuridade sob as árvores,
Fingindo que
estávamos no fundo do mar.
Uma vez – perto
do limite do jardim –
Ouvimos passos
que percorriam a estrada do Mundo;
Oh, como ficamos
assustados!
Murmurei: “Alguma
vez passaste por aquela estrada?”
Ele assentiu
com a cabeça, e sacudimos as lágrimas dos nossos olhos…
Houve em tempos
um rapaz.
Ele vinha – sempre
sozinho – brincar no meu jardim;
Era pálido e
calado.
Quando nos conhecemos,
beijamo-nos,
Mas, quando se
foi embora, não nos despedimos sequer com um aceno.
O HOMEM DA PERNA
DE PAU
Havia um homem
que vivia muito perto de nós
Tinha uma perna
de pau e um pintassilgo numa gaiola verde
Chamava-se Farkey
Anderson
E tinha estado
numa guerra para arranjar aquela perna.
Sentíamos muita
pena dele
Pois tinha um
sorriso tão bonito
E era um homem
tão grande a viver numa casa mesmo pequenina
Quando ele andava
na rua a sua perna não fazia grande diferença
Mas quando andava
na sua casa pequenina
Fazia um barulho
horrível.
O Irmãozinho
dizia que o pintassilgo dele cantava mais alto do que todos os outros pássaros
Para o homem
não ter de ouvir a sua pobre perna
E ficar demasiado
triste com isso.
MALADE
O homem no quarto
ao lado
Tem a mesma doença
do que eu
Quando acordo
de noite ouço-o a virar-se
E depois ele
tosse
E eu tusso
E ele tosse de
novo –
Isto prolonga-se
por muito tempo –
Até eu sentir
que parecemos dois galos
Que se chamam
um ao outro num falso amanhecer
Em recônditas
quintas distantes.
CHEGADA
Parece que
passo metade da vida a chegar a
hotéis
desconhecidos –
E a
perguntar se me posso ir já deitar.
E não se
importa de encher a minha botija de água quente
Obrigada, assim
está perfeito.
Não, não vou
precisar de mais nada –
A porta
desconhecida fecha-se sobre aquele desconhecido
E enfio-me
depois entre os lençóis
À espera de
que as sombras saiam dos recantos
E teçam uma
longa, longa teia
Sobre o papel
de parede mais feio de todos.
•
Katherine
Mansfield nasceu no dia 14 de outubro de 1888 em Wellington, Nova Zelândia.
Reconhecida como contista desde a publicação de seus primeiros textos nessa
forma literária na revista do colégio onde estudava. Suas incursões pela poesia
aparecem no volume Poems, em 1923, mesmo ano da sua morte em 9 de
janeiro em Fontainebleau, na França.
* Traduções
de Inês Dias.
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