HISTÓRIA UNIVERSAL
Um homem nasce chora cresce ri
sofre e faz sofrer caminha canta
tem sede fome frio medo pressa
perde-se transborda arde sorri.
Um homem sozinho no meio da noite
assobia para amansar os monstros que o habitam.
Abraça empurra mata beija morre
cansa-se de si mesmo apaixona-se
dá-se à vida sabe que se acaba
que escorre o que é por entre os dedos.
Um homem olha o céu as nuvens e diz-se
em silêncio que breve
que bela e fugidia é, foi, a vida.
DIETA LINGUÍSTICA
Use todos os dias verbos de movimento.
Evite os pronomes reflexos.
Não fale entre aspas.
Evite o porque, o mas e o ou seja.
Cale-se com mais frequência.
Não pronuncie palavras que não saibam a nada.
Não fale ao espelho e se o fizer
não espere que o espelho lhe responda.
Nunca abra parêntesis que não possa fechar.
Dê graças em jejum.
Suspire reticências.
E ponha de joelhos tudo o que escreveu.
QUE FAÇO EU AQUI
Eu venho de outro mundo e não entendo
como é que aqui cheguei e que pretendeis
de mim se não é amor nada espereis.
Guardo no meu coração velhas palavras
que já ninguém pronuncia touros tristes
mães que ainda não nasceram.
Eu não sou deste mundo nem de outro.
A minha voz é uma lágrima feliz.
Amanhã morrerei agradecendo
por não ter entendido este milagre.
SE EU FOSSE A TI
Se eu fosse a ti amava-me, telefonava,
não perdia tempo, dizia-me que sim.
Não hesitava mais, fugia.
Dava o que tens, o que tenho,
para ter o que dás, o que me darias.
Soltava o cabelo, chorava
de prazer, cantava descalça, dançava,
punha em fevereiro um sol de agosto,
morria de prazer, não punha
nenhum mas a este amor, inventava
nomes e verbos novos, estremecia
de medo perante a dúvida de que fosse
só um sonho, fugia
para sempre de ti, de ali, comigo.
Se eu fosse a ti amava-me.
Dizia-me que sim, vinha
a correr para os meus braços,
ou pelo menos, sei lá, respondia
às minhas mensagens, às minhas tentativas
de saber que é feito de ti, telefonava-me,
que será de nós, dava-me
um sinal de vida, seu fosse a ti.
•
Juan Vicente
Piqueras nasceu em 1960 em Los Duques de Requena (Valência). Fez a licenciatura
em Filologia Hispânica e saiu do seu país em 1985. Roma foi a sua cidade
durante dezanove anos. Viveu também em França, na Grécia, na Argélia, e vive em
Lisboa, onde é Diretor de Estudos no Instituto Cervantes.
* As traduções são de João Duarte Rodrigues e Manuel Alberto Valente.
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