segunda-feira, 8 de abril de 2019

Dois poemas de Alda Merini



Os poemas mais belos
escrevem-se sobre pedras
com os joelhos em chagas
e as mentes aguçadas pelo mistério.
Os poemas mais belos escrevem-se
diante de um altar vazio,
rodeados de agentes
da loucura divina.
Assim, doido e criminoso como és,
ditas versos à humanidade,
os versos do resgate
e as profecias bíblicas
e és irmão de Jonas.
Mas sobre a Terra Prometida
onde germinam os pomos de ouro
e a árvore do conhecimento
Deus nunca desceu nem te amaldiçoou.
Mas tu sim, amaldiçoas
hora a hora o teu canto
porque desceste ao limbo,
onde inalas o absinto
de uma sobrevivência negada.


A TERRA SANTA

Conheci Jericó,
também eu tive a minha Palestina,
os muros do manicómio
eram as muralhas de Jericó
e um poço de água infecta
baptizou-nos a todos.
Lá dentro éramos judeus
e os Fariseus ficavam no alto
e, perdido na multidão,
estava também o Messias:
um louco que gritava aos céus
todo o seu amor por Deus.

Todos nós, rebanho de ascetas
éramos como pássaros
e de vez em quando uma rede
obscura aprisionava-nos
mas íamos a caminho da colheita,
a colheita do nosso Senhor
e Cristo o Salvador.

Fomos lavados e sepultados,
cheirávamos a incenso.
E depois, quando amávamos
davam-nos choques eléctricos
porque, diziam, um louco
não pode amar ninguém.

Mas um dia de dentro do sepulcro
também eu me levantei
e também eu como Jesus
tive a minha ressurreição,
mas não subi aos céus
desci ao inferno
de onde revejo estupefacta
as muralhas da antiga Jericó.



Alda Merini nasceu em 21 de março de 1931, em Milão. Publicou em 1953 o seu primeiro livro de poesia, La presenza di Orfeo (A presença de Orfeu), que foi muito bem recebido pela crítica. Seguiram-se-lhe Paura di Dio (Medo de Deus, 1955), Nozze romane (Núpcias romanas, 1955), Tu sei Pietro. Anno 1961 (Tu és Pedro. Ano 1961, 1962). Após um silêncio editorial que se prolonga por vinte anos, volta a publicar poesia com Destinati a morire. Poesie vecchie e nuove (Destinados a morrer. Poemas velhos e novos, 1980), La Terra Santa (A Terra Santa, organizada por Maria Corti, 1984 - prémio Citadella, 1985) e Testamento (org. por Giovanni Raboni, 1988). Nos anos 90 dá início a uma nova fase na escrita e publicação, com o aparecimento dos livros em prosa centrados na sua própria pessoa. A poeta morreu em 1º de novembro de 2009 na sua cidade natal.

* Traduções para o português de Clara Rowland.



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