segunda-feira, 17 de junho de 2019

Três poemas de Aimé Césaire




BLUES DA CHUVA

Aguacero
belo músico
aos pés de uma árvore desfolhada
em meio às harmonias perdidas
junto de nossas memórias derrotadas
em meio às nossas mãos de derrota
e dos povos de estranha força
deixamos abaixar nossos olhos
e nascer
desatando as cordas de uma dor
nós choramos.

ENTRE OUTROS MASSACRES

Com todas as suas forças o sol e a lua colidem
as estrelas caem como testemunhas apodrecendo
e como uma ninhada de ratos cinzentos

medo algum prepara suas águas altas
que tão facilmente removem o banco de espelhos

eles jogaram lama por sobre meus olhos
e vejo eu vejo terrivelmente eu vejo
de todas as montanhas de todas as ilhas
nada deixado a salvo os poucos dentes podres
da impenitente saliva do mar

PRESENÇA

todo um maio de canafístulas
sobre o peito de puro soluço
de uma ilha adúltera de lugar
carne que tendo possuído a si mesma colhe suas vindimas
Ó lentidão entre os dacitos
uma pitada de pássaros espalhada pelo vento
na qual as cataratas do tempo passam misturadas
a pura profusão de um raro milagre
na tempestade sempre crédula
de uma não evasiva estação


Aimé Césaire nasceu em Basse-Pointe, na Martinica, a 26 de junho de 1913. Escreveu poesia, teatro e ensaio. É um dos mais importantes nomes do Surrealismo e idealizador do conceito de negritude com o presidente do Senegal Léopold Sédar Senghor. Morreu em Fort-de-France a 17 de abril de 2008.

* Traduções de André Caramuru Aubert. Estes poemas foram apresentados primeiramente no jornal Rascunho.

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