segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Três poemas de Mário Saa





O VENTO!

Na serra de mansinho
E em cima pelo alto, junto aos céus,
O vento passa a sibilar sozinho
Vocábulos de Deus!

Ó vento, ó ventania, ó noite, ó sul!
Baloiçai-vos no vago, ondas do ar,
Entre o negro da terra e o céu azul
E entre o azul do céu e o azul do mar!

Quando o teu nome é brisa, ó ventania,
Súas à tarde pérolas d’orvalho,
Porque ajudas no pão de cada dia
Quem anda ao largo no trabalho!

Na vastidão sombria
Em negra noite, em noite de trovões,
És tu ó ventania ó ventania
O sopro colossal dos furacões!

Vai devagar, sossega um pouco ó vento
Larga no ar as ondas d’algodão
E um turbilhão de nuvens pardacento!...

Mas ai! Não pares não
Tu és a minha doida fantasia
És como ela aventureira, incerta,
E o movimento encerra poesia,
Alerta, ó vento, alerta!!!!......

*

Labaredas folgam, brincam
Na transparência da brasa,
Oscilam, cintilam, tilintam
Fugazes laivos na casa!

E o vento geme e resume
E a chuva rosna e derrue,
E o lume canta e reune
O lume reza e construe!

E o espasmo do mar longínquo,
E os hinos que a onda arranca,
São como as ansias que eu sinto,
Acabam na espuma branca.

Tristezas d’El-Rei Tristão

El-Rei Tristão cofiou a barba toda;
no velho parque, exausto e sonhador,
poz á roda de si as mulheres da roda,
houve um baile e foi ele o tocador.

Dançarina dos Lagos, sonorosa,
com braçadas de baile e cobras d’alga,
recitava perdida e clamorosa
versos com gestos d’ua frieza fidalga.

E a passos d’aza volutinava em espira,
toda alongada nos terreiros de Quinta,
perdido na distancia o lyz da cinta;

magna lira d’El-Rei geme e delira;
e entre as áleas dos pálidos terreiros
eram tudo soluços e pandeiros!

Mário Saa nasceu em 18 de junho de 1893 em Caldas da Rainha. Em 1895, com o regresso da família a Avis e a construção da Herdade de Pero-Viegas, muda-se e vive aí quase toda a vida. Frequentou os cursos de Matemática (1918) e Medicina (1930). Publicou nas revistas Presença, Tempo presente e Sudoeste. Autor de extensa obra, sua poesia foi reunida em 2006 por João Rui de Sousa (INCM) com o título Poesia e alguma prosa. Morreu no dia 23 de janeiro de 1971, em Ervedal.

* Estes três poemas tal como apresentados saíram na revista Colóquio / Letras, Lisboa, nov. 1981, n.64.




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