OH
CEREJEIRAS BRANCAS DEMAIS PARA O MEU CORAÇÃO
Oh
cerejeiras brancas demais para o meu coração,
e todo o chão
está embranquecido com sua morte,
e todos os
seus galhos afundam no rio,
e cada gota
cai do meu coração.
Se houver
justiça no anjo dos olhos que brilham,
ele dirá
“Espere!” e me alcançará um punhado de cerejas.
O anjo
barbudo, justo e firme como uma cabra
levanta uma
cabeça de ruminante e mastiga a neve lentamente.
É necessário,
cabra, ficar aqui?
Ainda
precisa ficar aqui, quieta?
Sempre vai
ficar aqui, imóvel
à prova de
fé, à prova de inocência?
FÁBULA
Quando olho
para trás, me lembro de cantar.
Embora
aquele quarto grande e aconchegante estivesse sempre silencioso.
Impenetráveis,
acreditávamos, aquelas paredes,
obscurecidas
por escudos antigos. A luz
brilhava sobre
a cabeça de uma garota ou em suas pernas
jovens esparramadas. E
as vozes baixas
subiam em
silêncio a se perder como na água.
Além disso,
estando todo quente e quieto como uma mão,
se um de nós
fechasse as cortinas
uma chuva
bordada soprava descuidadamente.
Às vezes, um
vento esgueirava-se e fazia balançar as chamas,
projetando
sombras agarradas nas paredes,
ou do lado
de fora uivava um lobo na vasta noite
e quando sentíamos
que nossa carne estava congelando, ficávamos juntos.
Mas a dança
continuava por um tempo
– é o que
penso agora:
formas
lentas que se moviam serenas através
de poças
de luz tecendo uma rede dourada no chão.
Assim, deve
ter continuado, para sempre, como um sonho.
Mas entre um
ano e outro – mudou o vento?
A chuva
finalmente apodreceu as paredes?
Vieram os
focinhos dos lobos a empurrar os raios caídos?
Faz tanto
tempo
No entanto,
às vezes me lembro do quarto acortinado
e ouço as
vozes distantes e jovens que cantam.
•
Doris Lessing
nasceu em Kermanshah, a 22 de outubro de 1919. Dentre os seus trabalhos mais
importantes está os desenvolvidos com a ficção, que cobre um vasto leque
estilístico, da autobiografia à ficção científica. Ganhou o Prêmio Nobel de
Literatura em 2007. Morreu cinco anos depois em Londres.
* Traduções
livres de Pedro Fernandes de Oliveira Neto.
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